A barbearia mais antiga do Porto chama-se Oficina do Cabelo e está de cara lavada

A antiga Barbearia Tinoco, na Rua de Sá da Bandeira, reabriu com o nome de Oficina do Cabelo. A nova gerência quer a decoração reposta, como em 1929

Todos os dias há turistas que entram aqui para tirar fotografias. A decoração da antiga Barbearia Tinoco, até há pouco tempo designada por Cabeleireiro Sousa, é um reconhecido património do Porto. O destaque vai para os lavatórios em mármore, o chão revestido com mosaicos em leque, as cadeiras em ferro e os enormes espelhos, num conjunto com clara inspiração Art Déco. E há ainda o velho aquecedor de toalhas a vapor, que depois eram colocadas no rosto dos clientes.

Alguns portuenses mostraram preocupação quando o estabelecimento, no número 13 da Rua de Sá da Bandeira, fechou portas e, nas montras, se pôde ler a palavra "remodelação". É verdade que o espaço mudou de mãos em Janeiro e que o Cabeleireiro Sousa se chama agora Oficina do Cabelo, mas a vontade de quem o dirige é pôr tudo "como seria inicialmente", contou-nos João Vilas, o novo gerente. A porta de origem, de madeira, foi vendida "há uns 30 anos", e uma das preocupações é substituir a actual caixilharia em alumínio. A outra é a recuperação dos candelabros. Para já, foi feito um simples lavar de cara, com algumas pinturas.

A Barbearia Tinoco é uma obra de 1929, dos arquitectos Manuel Marques e José Penêda. Na sobreloja, funcionava um calista, com a respectiva sala de espera, no tempo em que os clientes abundavam. João Vilas fala numa "herança" que quer manter e diz que tomou conta do espaço devido a uma "oportunidade". É que o interesse dos senhorios, reconhece, já não é muito. De qualquer forma, acredita que é possível manter os velhos clientes e ganhar alguns novos, por entre "lojistas, padres ou turistas". Os frequentadores habituais são aqueles que estão habituados às mãos de Helena e de Emília (há 19 e 27 anos, respectivamente, ao serviço da casa): "Foram as primeiras mulheres barbeiras do Porto", garante João Vilas. A Oficina do Cabelo continua a funcionar, como anteriormente, no regime de cabeleireiro unissexo, das 9h30 às 19h30, encerrando aos domingos. Um corte para homem custa dez euros, enquanto as mulheres pagam 12 euros. Quem lá trabalha espera que haja mais gente a entrar pela porta, e que não queira apenas tirar fotografias.

Em Fevereiro, o arquitecto Luís Aguiar Branco lançou o livro Lojas do Porto (Edições Afrontamento), uma espécie de compêndio do melhor que a cidade tem para oferecer. A antiga Barbearia Tinoco foi um dos estabelecimentos que mais o encantaram neste extenso estudo: "Está seguramente entre as 15 melhores obras do Porto em termos arquitectónicos e estéticos. Quem lhe dá mais valor são os estrangeiros, que percebem que aquilo tanto podia estar em Nova Iorque como em Paris", declarou ao PÚBLICO. No entanto, foram sendo feitas algumas alterações empobrecedoras: "A fachada infelizmente alterada era definida pela marcação da entrada em mármore, libertando as caixilharias num jogo geométrico pontuado de efeitos déco e destacando o nome no centro vítreo".

O talento dos dois arquitectos envolvidos foi complementar. "Manuel Marques era exímio na pequena escala, em tirar partido do mármore e da caixilharia. O José Penêda era mais "bruto", no melhor sentido", aponta. A obra surgiu no início de carreira do duo: "Eles tinham ideias novas, queriam fazer o moderno." O edifício da barbearia terá sido construído por volta de 1917, na sequência do alargamento da Sá da Bandeira. Não se trata de uma obra muito vistosa, mas Luís Aguiar Branco não se surpreenderia se ela tivesse tido a mão de José Marques da Silva. "Cheguei a encontrar uma assinatura dele, mas não posso garantir que o prédio é dele", esclarece.

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