Subsídio desaparecido e por esclarecer em Benfica

Junta de S. Domingos deu 50 mil
euros a associação de moradores, a CNL deu mais 25 mil para infantário, mas 17 mil andam desaparecidos

A primeira vez que foi contactado pelo PÚBLICO, o presidente da junta, Rodrigo Gonçalves, mostrou-se surpreendido com a informação de que o antigo fiscal Carlos Vicente tinha pedido à associação de moradores o subsídio atribuído no mandato anterior. "Se é assim, isso é matéria criminal", afirmou. No dia seguinte apresentou-se como conhecedor do caso, que atribuiu exclusivamente à responsabilidade de "um antigo prestador de serviços" da junta, e disse que, por iniciativa dele, na qualidade de "mediador", promoveu uma reunião com os envolvidos logo que soube do que se passava. "Chamei o Carlos Vicente, confrontei-o com pessoas e factos, disse-lhe que tinha de repor imediatamente o dinheiro que pedira à associação - Abílio Silva garante que não aconteceu - e que tinha de apresentar a demissão." De acordo com o autarca, Carlos Vicente, que o PÚBLICO nunca conseguiu contactar, demitiu-se no fim de Setembro de 2006. "Nunca dei indicação à BB para fazer obras na associação", acrescentou Rodrigo Gonçalves, declarando--se, a si e à junta, totalmente alheio ao caso. Para explicar o facto de nunca ter participado contra o antigo fiscal nem nunca lhe ter instaurado processo disciplinar, afirmou: "Não o fiz porque a lei não o permite, uma vez que era prestador de serviços; e não apresentei queixa-crime porque não tinha legitimidade para isso, visto ser assunto de âmbito privado".
75
mil
euros foi o montante total dos subsídios dados pela câmara, mas o destino de 17 mil está ainda por esclarecer
a A Junta de Freguesia de S. Domingos de Benfica foi há dois anos palco de uma burla com um subsídio de 50 mil euros atribuído a uma associação de moradores. Os lesados foram a própria associação e a empresa encarregue de fazer as obras a cujo financiamento se destinava o subsídio. A autarquia diz que não tem nada a ver com o caso e responsabiliza um antigo colaborador, contra o qual nunca apresentou queixa. A empresa que fez as obras tem versão diferente, diz que a encomenda foi feita pela junta e que a vai pôr em tribunal para reaver 17 mil euros que nunca lhe foram pagos.
No início desta história está o encerramento, em 2003, e por falta de condições de funcionamento, do Jardim-de-infância do Povo, criado em 1975 pela Associação de Moradores de S. Domingos de Benfica. Reconhecida pelo seu trabalho social, a associação conseguiu, em 2005, que a junta de freguesia local lhe concedesse um subsídio de 50 mil euros para obras e reabrir o infantário.
Para a atribuição daquela verba, a autarquia - então liderada por Lipari Pinto, o social-democrata que nesse mesmo ano passou a exercer as funções de vereador com o pelouro da Acção Social na Câmara de Lisboa - não cuidou do cumprimento de um requisito mínimo que era o do prévio licenciamento das obras a realizar. A ausência da licença explica, aliás, que ainda hoje, com os trabalhos concluí-dos há muito, o jardim-de-infância não tenha reaberto as portas.
Recebido semanas antes das eleições que, em Outubro, levariam à substituição de Lipari Pinto por Rodrigo Gonçalves na junta, o subsídio saiu dos cofres da associação três ou quatro meses depois. Na sede da freguesia estava então em curso uma obra de remodelação adjudicada à empresa Better Building (BB) em meados de Novembro. Para acompanhar a execução dessa, e de outras empreitadas da autarquia, foi contratado o fiscal Carlos Vicente, um militante da Secção A do PSD de Lisboa, dirigida por Lipari Pinto e Rodrigo Gonçalves.
"Quando o trabalho terminou na sede da junta [no início de 2006], o senhor Vicente, com o conhecimento do presidente da junta, pediu-me para fazer umas obras no jardim-
-de-infância da associação", conta Armando Abreu, sócio-gerente da BB. De acordo com o empresário, a intervenção foi estimada em cerca de 42 mil euros e não foi feito qualquer contrato, porque o fiscal alegou tratar-se de "uma obra urgente" e porque "tudo tinha corrido bem" com a empreitada da autarquia. "A junta é que me encomendou a obra do infantário", insiste Armando Abreu, explicando que os pagamentos, num total aproximado de 25 mil euros, lhe "foram feitos sempre fora de horas e em numerário" por Carlos Vicente. Mas, se a autarquia tinha dado o subsídio à associação para as obras, como é que se compreende que fosse ela a mandá-las fazer?
Sem querer entrar em pormenores, Abílio Silva, presidente da associação de moradores, diz apenas que "houve ali umas maningâncias" que nunca percebeu muito bem e confirma que entregou os 50 mil euros "a um elemento da junta". Como prova de que o subsídio foi devolvido ao fiscal da autarquia, Abílio Silva tem um recibo assinado por Carlos Vicente, do qual existem cópias nas mãos de outras pessoas ligadas à instituição.
O que aconteceu a parte do dinheiro está ainda por deslindar. O fiscal, com contrato de prestação de serviços com a autarquia, pediu a devolução do subsídio com o argumento de que a junta se encarregaria das obras. Rodrigo Gonçalves, o presidente da junta, garante, porém, que esta não tem nada a ver com o caso.
Seja como for, Armando Abreu diz que Carlos Vicente deixou de lhe pagar e que se queixou a Rodrigo Gonçalves, ameaçando parar a obra. "Nessa altura, fizemos uma reunião com o presidente da junta, o presidente da associação, um assessor do vereador Lipari Pinto e o fiscal. O presidente da junta ameaçou que o despedia para se descartar de responsabilidades e ele prometeu pagar-me no dia seguinte. Entretanto desapareceu e ainda estou à espera de 17 mil euros", resume o empresário.
Apesar de o gerente da BB afirmar que estimou os trabalhos em 42 mil euros, Rodrigo Gonçalves solicitou a Lipari Pinto, em Dezembro de 2005, "em nome da associação", um apoio suplementar de 25 mil euros "para a conclusão das obras já iniciadas" com os 50 mil dados em Setembro. Seis meses depois, o subsídio camarário foi entregue directamente à junta, que, por sua vez, o transferiu para a associação, já depois de a Better Building ter abandonado a obra.
Sem notícias do fiscal e constatando que a junta continua a "empurrar a responsabilidade para ele", Armando Abreu tomou uma decisão: "Vou processar a junta, porque, para mim, a responsabilidade é dela".
75
mil euros foi o montante total dos subsídios dados pela CML, mas o destino de 17 mil está ainda por esclarecer

Sugerir correcção