Programa camarário contra o desperdício ficou no papel

A Câmara de Lisboa aprovou em Dezembro de 2010 uma moção apresentada pelo CDS-PP que previa a criação de um programa de combate ao desperdício alimentar, mas o plano nunca saiu do papel.

A autarquia deveria ter definido uma estratégia com as juntas de freguesia, paróquias e o sector da restauração. "Levantaram-se problemas ao nível da garantia de qualidade dos alimentos e da segurança alimentar", justifica a vereadora da Acção Social, Helena Roseta. Segundo a autarca, "os restaurantes não mostraram disponibilidade" e "não se encontrou uma forma prática para transportar a comida".

A câmara optou então por outro caminho. "Estamos a desenvolver uma estratégia para os sem-abrigo, através da Rede Social de Lisboa, para substituir a distribuição de refeições na rua pela distribuição em refeitórios municipais. O objectivo é dar condições de mais dignidade às pessoas que estão na rua, trabalhando com entidades que já dão apoio no terreno", diz Helena Roseta. Nos últimos meses essas refeições têm sido servidas no refeitório de Alcântara, através do projecto Serve The City Lisboa (um movimento de inspiração cristã que organiza jantares comunitários). O objectivo da câmara é alargar a experiência a todos os refeitórios municipais, uma vez por semana. Cada jantar custa 2000 a 3000 euros, pagos por mecenas.

Sublinhando que a câmara "não é a Santa Casa da Misericórdia", Roseta afirma que a intervenção da autarquia neste domínio é "limitada" e que "é impossível" estar a par das carências alimentares que existem num universo de 500 mil pessoas. "Temos um papel catalisador, não de intervenção directa. Esse está reservado às instituições e à sociedade civil", argumenta. Ainda assim, a câmara associou-se ao movimento Zero Desperdício, que faz a ponte entre autarquias, instituições de solidariedade e fornecedores de comida. O objectivo do projecto é semelhante ao do Re-Food - reduzir o desperdício e matar a fome. O movimento foi lançado em Abril pela associação DariAcordar, e já permitiu o resgate de mais de 44.800 refeições nos concelhos de Loures e Sintra, e nas freguesias da Lapa e Campolide, em Lisboa. Cascais vai associar-se em Outubro, mas tem já uma rede informal com o mesmo objectivo. "Somos facilitadores. Fazemos protocolos com quem pode doar a comida, depois batemos à porta dos municípios, que nos indicam as instituições locais com capacidade para recolher e distribuir as refeições e sinalizar as famílias carenciadas", explica António Costa Pereira, piloto de aviação e um dos fundadores da associação.

O projecto não funciona da mesma forma em todos os locais. Em Campolide, onde já foram resgatadas mais de 10.000 refeições doadas por 13 estabelecimentos, é a junta que faz o trabalho de recolha e distribuição, apoiando cerca de 150 pessoas. Na Lapa, onde são apoiadas mais de 70 pessoas, essa tarefa está a cargo de instituições de solidariedade social, que têm os recursos necessários, e a junta faz a triagem e o encaminhamento das pessoas carenciadas. Nesta freguesia, em Julho, foram doadas em média 35 refeições por dia, provenientes da cantina da Assembleia da República e das Oficinas de S. José.

Em Loures, é a câmara que trabalha directamente com as pessoas carenciadas e com os estabelecimentos. De Maio a Julho, foram apoiadas 390 famílias e recolhidas 14 toneladas de alimentos, com um valor comercial de 24 mil euros que seriam deitados ao lixo. Segundo a vereadora municipal com o pelouro da Acção Social, Sónia Paixão, os pedidos de ajuda têm vindo a aumentar. Por isso, além de se ter associado ao movimento Zero Desperdício, a autarquia criou três lojas solidárias que fornecem bens não perecíveis - de Abril a Julho foram apoiadas 212 famílias.

O movimento Zero Desperdício surgiu depois da campanha Direito à Alimentação, lançada em 2010 pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP). No entanto, a crise deixou o projecto em stand by.

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