O triste fim de ano dos trabalhadores da Casa Hipólito

A falência da maior empresa de Torres Vedras deixou 400 trabalhadores numa situação difícil neste fim de ano. A dívida em indemnizações e salários em atraso ascende a um milhão de contos. O plano de recuperação da casa tornada famosa pelos seus candeeiros a petróleo, segundo os empregados, foi marcado por incumprimentos e pela delapidação de um vasto património, que já nem chega para um quarto das dívidas.

Os últimos 400 trabalhadores da metalúrgica Casa Hipólito, dos 1400 iniciais, estão desesperados após a falência da empresa decretada há um mês. Depois de anos com salários em atraso, cerca de mil funcionários têm a receber perto de um milhão de contos. Mas o montante da dívida total da empresa são oito milhões de contos, e o valor do património restante, dois a três milhões. O subsídio de desemprego e o subsídio social são as respostas possíveis, mas de tempo limitado. Vinte cinco trabalhadores já esgotaram estes recursos e outros estão em vias disso, pois desde Agosto de 1997 que estas medidas vinham sendo aplicadas. Cerca de 200 funcionários têm mais de cinquenta anos, vendo-se impossibilitados de obter novo emprego. O Governo recusou a criação de uma bolsa de emprego de longa duração, para prolongar o subsídio de desemprego até à reforma, porque não considerou tratar-se de uma zona carenciada. Nos últimos anos, a Hipólito transformou-se num problema social de grandes dimensões em Torres Vedras, pois tratava-se da maior empresa da região, da qual dependiam centenas de famílias. Hoje são os trabalhadores e a Segurança Social os maiores credores da empresa, mas foram precisamente estes que não receberam absolutamente nada das vendas de património que entretanto foram ocorrendo. "Fomos espoliados e sentimo-nos lesados pela forma como foi conduzida a falência da empresa. Parece incrível como se destrói uma empresa, colocando os trabalhadores na miséria sem que ninguém faça nada", afirmou Marcos Fernandes, um dos ex-trabalhadores que não se conforma com a situação. A crise da Casa Hipólito, fundada em 1900, remonta aos anos 80. O plano de recuperação foi apresentado pelos principais credores, mas levantou dúvidas logo na altura da sua aplicação, em Novembro de 1987. A gestão da empresa passou para a Companhia Portuguesa do Cobre, com o apoio da Companhia de Seguros Tranquilidade e da banca, representada no conselho geral pelos bancos Espírito Santo, Pinto & Sotto Maior e Crédito Predial Português. Apesar de o Decreto-lei 177/86, que regulava a recuperação de empresas, prever um prazo máximo de dois anos de gestão controlada, o plano da Hipólito foi aprovado por dez. O mesmo decreto-lei previa ainda a anulação de todos os negócios efectuados nesta fase de recuperação caso o plano não fosse cumprido. Mesmo assim, todas as vendas feitas a troco das dívidas continuaram a ser feitas, apesar de o plano nunca ter sido cumprido desde o primeiro dia. Por um lado, o plano previa dações de património aos credores (vendas de imóveis em troco da dívida) e a cedência de acções da empresa para amortização dos créditos; por outro, seria efectuado o saneamento financeiro da Hipólito através de injecções de capital para reestruturação e fundo de maneio para aquisição de matéria-prima. Estava igualmente previsto o pagamento faseado dos salários em atraso e das prestações à Segurança Social e Finanças. O montante previsto para fundo de maneio era superior a 140 mil contos e os financiamentos correntes poderiam ir até meio milhão de contos. Porém, na execução do plano o património foi alienado, as acções passaram de mãos, mas nunca nenhuma entidade investiu um tostão na empresa, ficando a parte dos pagamentos e investimentos por cumprir. "Ninguém contestou aqueles procedimentos, nem os próprios trabalhadores, que eram os grandes interessados em manter os postos de trabalho", afirmou João Miranda, representante do Sindicato dos Metalúrgicos, maioritário na empresa. Para agravar a situação, o primeiro gestor judicial nomeado pela Companhia do Cobre tinha cadastro e na altura era procurado pela justiça por burla, facto que ninguém contestou, embora o primeiro acto do gestor tenha sido uma dação à própria Companhia do Cobre que o nomeou. Os bancos reclamaram e a venda foi anulada, sendo feita uma segunda dação a dividir por alguns bancos e outras entidades. Credores como a Segurança Social, as Finanças e o Instituto Nacional de Emprego não foram contemplados. A situação da Hipólito ia-se agravando, tendo o gestor judicial, António Mota, num relatório aos credores, defendido medidas saneadoras como forma de inverter a tendência de falência. O alerta não teve qualquer efeito, e à medida que o tempo passava a empresa desvalorizava-se e degradava-se, o que levou à situação actual, em que está a ser vendida muito abaixo do seu real valor, acusam os funcionários. Em 1993, com o plano de recuperação ainda em vigor, grande parte da empresa apareceu à venda nos jornais através de uma imobiliária espanhola. "Isto só era possível num ambiente de total conivência e do salve-se quem puder", afirmou Marcos Fernandes. Apercebendo-se do facto, a Segurança Social penhorou a empresa toda como principal credor em montante de dívida. Em Abril de 1994, a assembleia de credores, reunida no tribunal de Torres Vedras, rejeita um novo plano de recuperação, apresentado desta vez pela comissão de trabalhadores. Foi a Segurança Social, um dos maiores credores, que votou contra a proposta. Apesar do chumbo e das evidências, a falência não foi decretada, surgindo um impasse, que remeteu para o plano anterior. Nesta altura já os trabalhadores e a Segurança Social eram os principais credores, mas continuava vedada a sua participação no conselho geral, não tendo sido actualizados os créditos. Tudo se mantinha de acordo com o plano de recuperação aprovado em 1987, cujos resultados eram conhecidos. Sucederam-se administrações, mas a gestão, considerada ruinosa, manteve-se até à degradação total. A última administração chegou mesmo a vender património, sob a justificação de pagamento de salários, afirmou Marcos Fernandes. Os trabalhadores, sem ordenados e sem perspectivas, foram abandonando a Hipólito e dos mil e quatrocentos de 1980 restavam cerca de quatrocentos. Ninguém recebeu indemnizações nem salários em atraso e a Segurança Social também não - pelo contrário, a dívida cresceu. "Se pudéssemos ter previsto o futuro, se calhar teria sido mais positivo para os trabalhadores que a empresa tivesse uma boa falência antecipada, em vez da situação a que se chegou", afirma João Miranda. Desencantados com o papel desempenhado pelos governos do PSD, é sobre o PS que recaem as maiores críticas dos trabalhadores. Pensa-se mesmo que a recente ausência de última hora de António Guterres em Torres Vedras no Verão passado se deveu a uma manifestação de recepção dos funcionários da Casa Hipólito. Tudo devido a uma promessa eleitoral do actual primeiro-ministro, que na campanha para as legislativas em Outubro de 1995 afirmou no seu comício nesta cidade ir resolver o problema da empresa. O anúncio caiu como uma bomba em Torres, não só pela ousadia de uma promessa tão concreta como pelas consequências que teve. Mas o PS acabou por não resolver o problema. João Miranda aponta o dedo ao actual Governo.

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