Linha de Cascais tem de viver com o que tem

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Descarrilamentos como o que ocorreu anteontem acontecem mais facilmente em linhas antigas JOANA FREITAS

Depois de abandonados dois planos de modernização da linha e um projecto de aquisição de 36 comboios, a linha está condenada a sobreviver à base de remendos e reforço da manutenção

É "opinião unânime entre os técnicos que uma máquina tem duração indefinida desde que lhe vão substituindo as partes que se vão desgastando." Esta frase, proferida em 1878 por um proeminente engenheiro, João Chrisóstomo de Abreu e Souza, aplica-se que nem uma luva aos comboios e à infra-estrutura da linha ferroviária de Cascais.

Sem investimentos de modernização à vista - os que estavam previstos foram congelados por falta de financiamento -, esta via suburbana está condenada a sobreviver à custa de mais obras de conservação e os seus comboios a assegurarem o mesmo nível de serviço graças a um maior (e mais caro) esforço na manutenção.

A reconstrução da linha de Cascais foi anunciada pela Refer em Junho de 2006. Previa-se gastar 150 milhões de euros em obras que teriam início nesse ano e se prolongariam até 2012. O objectivo era mudar o sistema de sinalização electrónico e sanear a plataforma da via-férrea, retirando os carris, o balastro (pedra solta) e a terra que está por baixo do leito de via por forma a colocar uma nova super-estrutura. Os comboios trepidariam menos e os passageiros sentiriam um suave deslizar em vez do conhecido dangue-dangue provocado pelas rodas nos intervalos entre carris.

O investimento não avançou, mas em Junho de 2009 a Refer lançou um concurso público para um investimento mais comedido - 45 milhões para a instalação de um moderno sistema de comando e sinalização. Além de aumentar a segurança, iria poupar na manutenção do actual sistema, cujos mecanismos estão tão obsoletos que já se chegou a recorrer a ferroviários reformados para lhes resolver algumas avarias.

Mas este projecto também não avançou. Agora, endividada, com o rating pior do que o da República, e na perspectiva de despedir 500 a 800 funcionários, a Refer não tem recursos para modernizar a linha, restando-lhe apostar na conservação para não pôr em causa a segurança.

Pelo lado da CP, foi também anulado um concurso, no valor de 400 milhões de euros, que previa a compra de 49 comboios, dos quais 36 para a linha de Cascais. Em alternativa, a EMEF, empresa que assegura a manutenção dos comboios, redobrou agora os seus programas de manutenção. Apesar de sujeitos a uma modernização recente, as automotoras de Cascais são antigas. As mais velhas datam dos anos 60, mas dessa época já só praticamente se mantém a estrutura, sendo que os rodados, motores, freios e componentes electrónicos foram todos substituídos para que continuem a circular em segurança, provando-se assim a tese do engenheiro Abreu e Souza.

Mas como a tensão eléctrica na linha de Cascais é diferente da do resto da rede, a CP só pode contar para ela com o material que lá tem. De futuro, agravar-se-ão, por isso, os problemas de supressão de comboios, uma vez que parte deles passarão mais tempo nas oficinas e não haverá outros para os substituir. Essa é uma das razões pelas quais a CP suprime de vez em quando alguns comboios com origem e destino em São Pedro.

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