Pais vão passar a ser punidos pelo mau comportamento dos filhos na escola

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daniel rocha

A responsabilização dos pais, defendida por PSD e CDS, será consagrada no novo Estatuto do Aluno. Os directores apoiam, mas sociólogos e psicólogos advertem que nada de bom virá daí

A partir do próximo ano lectivo, os pais dos alunos indisciplinados ou com faltas em excesso passarão a ser responsabilizados pelo comportamento dos filhos na escola. Esta é uma das principais alterações que o Governo e os grupos parlamentares do PSD e do CDS pretendem introduzir ao Estatuto do Aluno, cuja revisão está a ser preparada pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC). A medida conta com o aval dos directores de escolas.

O MEC sustenta que "não é possível agora adiantar pormenores sobre o sentido das alterações" que estão a ser preparadas. No mês passado, o secretário de Estado da Educação, João Casanova de Almeida, que é responsável por este processo, defendeu a responsabilização dos pais e indicou que o ministério pretende concluir a revisão antes da Primavera, de modo a que novo Estatuto do Aluno possa entrar em vigor já no próximo ano lectivo.

Esta semana, o Conselho das Escolas, o órgão consultivo do MEC que representa os directores, aprovou um parecer onde se pede "a responsabilização civil dos encarregados de educação pelo não cumprimento do dever de assiduidade dos seus educandos e pelos problemas de indisciplina", indicou ao PÚBLICO o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, que também é membro daquele orgão. Nos termos do Código Civil, a responsabilidade civil implica a obrigação de indemnizar. O responsável lembra que esta opção foi já adoptada por outros países, como o Reino Unido, que foi até mais longe: os pais podem ser condenados a penas de prisão (ver caixa).

Multas e menos apoios sociais

O actual Estatuto do Aluno foi aprovado pelo Parlamento em Julho de 2010 e entrou em vigor um mês depois. Na altura, o PSD propôs que os pais deveriam ser penalizados com "a prestação de trabalho a favor a comunidade escolar". Entre as medidas avançadas pelo CDS, previa-se a redução do apoio social escolar nos casos em que os encarregados de educação violem reiteradamente os seus deveres de responsabilidade em relação à assiduidade dos filhos. Só têm direito à acção social escolar os agregados com um rendimento igual ou inferior ao salário mínimo nacional.

Nenhuma destas propostas foi então aprovada. Mas, como PSD e CDS agora em maioria absoluta, elas voltarão agora a estar em cima da mesa. Em resposta a perguntas do PÚBLICO, o deputado do PSD Emídio Guerreiro classificou como "prioritária" a revisão do actual estatuto, de modo a que possa "avançar na simplificação dos processos, no reforço da autoridade dos docentes e na responsabilização dos alunos e pais". Para o CDS, segundo o deputado Michael Seufert, existem "duas questões fundamentais" que não foram contempladas no actual Estatuto do Aluno e que devem agora ser adoptadas: "A possibilidade de responsabilizar os pais quanto ao comportamento e assiduidade dos filhos e a desburocratização dos procedimentos quando há excesso de faltas."

O estatuto em vigor foi aprovado com os votos do PS e do CDS. O deputado socialista Acácio Pinto lembra que isto aconteceu apenas "há um ano atrás" e que a sua revisão tão pouco tempo depois é "um mau caminho", que não preserva a estabilidade das escolas. O PS nada dirá agora sobre as propostas que poderá apresentar no âmbito da actual revisão, acrescentou. Os socialistas opuseram-se às medidas de responsabilização dos pais propostas pelo PSD e CDS, mas nos Açores está já em vigor um novo Estatuto do Aluno que as contempla em parte e que foi elaborado por iniciativa do Governo socialista daquela região.

O diploma estipula a aplicação de multas entre 20 a 300 euros aos pais que não se responsabilizem "pelos deveres de assiduidade e de disciplina" dos seus filhos. Prevê também que, em simultâneo com as coimas, possa ser aplicada a privação de subsídios outorgados no âmbito da acção social escolar. A Confederação Nacional das Associações de Pais também já propôs que os encarregados de educação dos alunos que pratiquem actos violentos sejam punidos com sanções pecuniárias.

Escolas "não fazem nada"

Com este tipo de medidas, "as escolas são desresponsabilizadas pelo comportamento dos seus alunos", frisa o sociólogo João Sebastião, responsável do Observatório para a Segurança Escolar. "Quando há problemas com alunos, o que se deve fazer primeiro é avaliar o que as escolas fizeram por eles e há muitas que não fazem nada: limitam-se a repetir suspensões, a empurrar os alunos complicados para outras escolas ou para os Cursos de Educação e Formação", acusa este especialista em violência escolar.

Manuel Pereira admite que, formalmente, as escolas dispõem de muitas soluções para lidar com estes alunos, mas que "nenhuma dessas soluções resolve nada" devido à burocracia e à lentidão dos processos. Para este director, a responsabilização civil dos pais só deve ser adoptada em "situações limite", mas a sua adopção dará "um sinal às escolas e à sociedade de "que é possível fazer alguma coisa".

"O país não tem meios para continuar a gastar com estes alunos que não querem estar no sistema de ensino; as escolas não podem ficar nas mãos de crianças e jovens com comportamentos completamente disfuncionais e a sociedade não pode continuar a deixar que estes continuem a crescer sem regras e a não respeitar a autoridade de ninguém", argumenta. "Se a responsabilização civil dos pais não for a solução, então não vejo mais nada que o seja", acrescenta este dirigente escolar.

"É uma medida que não procura modificar comportamentos", contrapõe João Sebastião, que tem também dúvidas sobre a sua legalidade. "As medidas punitivas podem gerar um alheamento ainda maior das famílias face à escola", avisa, pelo seu lado, o sociólogo Pedro Abrantes. Poderão ter "efeitos positivos num número escasso de situações, podendo até ser prejudicial em muitas outras", adverte também Luísa Mota, psicóloga numa escola secundária de Lisboa. No seu entender, são "uma falsa solução" para um "problema escolar e social complexo, que não tem uma causa única", com a agravante suplementar de poder "criar uma ilusão de solução, o que só piora o problema e pode acentuar o desinvestimento dos professores".

"Quando se aplicam multas e se retiram apoios sociais está-se a prejudicar ainda mais as crianças e os jovens" oriundas de agregados com maiores dificuldades e cuja situação social "irá piorar nos próximos tempos", adverte Melanie Tavares, responsável pelo projecto de mediação escolar do Instituto de Apoio à Criança.

Para Luísa Mota, uma alternativa possível poderá passar pela criação de "sistemas de tutorias". As escolas"têm de ter regras e limites claros e consequências para os comportamentos que infrinjam estes limites". Mas "uma relação forte, afectiva e estruturante com um adulto de referência pode fazer toda a diferença", defende. Pedro Abrantes aponta no mesmo sentido. Nos seus trabalhos de investigação, tem constatado que há "muitos casos em que, por intervenção da escola ou de um professor isoladamente, um aluno, que era visto como problemático, de repente sente-se valorizado e apoiado, começando a ter uma dedicação exemplar".

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