Famílias estão a ficar com os idosos em casa para equilibrar o orçamento

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PEDRO CUNHA

A tendência nota-se em hospitais e lares. Com o desemprego a subir, há cada vez mais pessoas com tempo para cuidar dos idosos e que precisam da reforma destes para subsistir

Quando o pai foi internado, a filha pediu ao hospital que o colocassem numa instituição: ele estava muito dependente. Estava desempregada e, ao perceber que teria de abdicar da reforma dele, mudou de atitude. Recusou tudo o que lhe foi proposto pelos serviços, desde o lar aos cuidados domiciliários. "Era uma reforma razoável e a senhora era divorciada e tinha um filho para criar. Não podia prescindir do pai, levou-o de novo para casa", lembra a directora da área de apoio social do Centro Hospitalar de Lisboa Central, Augusta Lopes.

Muitas famílias com idosos internados passaram a mostrar disponibilidade para cuidar deles em casa. O desemprego deixou alguns membros com tempo livre e a reforma dá jeito para compor o orçamento, explica Edmundo Martinho, presidente do Instituto de Segurança Social. Não tem uma estatística - um estudo. Tem "ecos que chegam daqui e dacolá".

Manuel Lemos, presidente da União de Misericórdias, gostava que atrás destes casos estivessem apenas sentimentos "virtuosos", mas teme que o dinheiro fale mais alto. "Há famílias inteiras desempregadas que só vivem da reforma do idoso", lembra Augusta Lopes. "A necessidade obriga a isto. Não tenho força para criticar as pessoas."

Há reflexos positivos. Nalguns hospitais diminuiu o número de idosos internados que já tiveram alta clínica mas não têm para onde ir. Por exemplo, no Hospital dos Capuchos, no primeiro semestre de 2009, houve 90 destes "protelamentos sociais"; este ano, no mesmo período, houve apenas 45. E o que a técnica constata é que há cada vez mais netos e filhos que precisam do dinheiro destes idosos. "Atrás dos números está esta realidade: estão disponíveis para cuidar do idoso porque estão desempregados."

O que preocupa Manuel Lemos é haver casos em que isso se faz "à custa da qualidade de vida do idoso". E dá um exemplo: "Uma família faz uma pressão enorme porque a casa é demasiado pequena e o idoso exige muitos cuidados de saúde; seis meses depois, desiste da vaga, já pode ficar com ele; mas o espaço não cresceu, o idoso continua a precisar de muitos cuidados de saúde!"

Este avanço das famílias não será, pelo menos por enquanto, um problema para os donos dos lares - misericórdias, instituições particulares de solidariedade social, sobretudo. Há listas de espera impossíveis de calcular, porque há idosos inscritos em mais do que um sítio. Só nos sócios da Confederação de Instituições Particulares de Solidariedade Social há mais de 50 mil pedidos, afiança o seu líder Lino Maia. "Quando um idoso sai, entra logo outro", sublinha Manuel Lemos.

Apenas 3,5 por cento das pessoas com mais de 65 anos vivem em instituições. As outras vivem com familiares ou sozinhas. E as que vivem sozinhas - como diz Inês Guerreiro, coordenadora da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados -, "ou têm um mínimo de saúde ou precisam de apoio".

A prioridade política tem sido o apoio domiciliário, a ocupação em centro de dia e a residência em lar, por esta ordem: entre 1998 e 2008, o primeiro cresceu 82,8 por cento, o segundo 42,5 e o terceiro 39 por cento. As famílias de acolhimento ficaram para trás: no final do ano passado, havia 775 a acolher 1443 idosos ou adultos com deficiência.

A Santa Casa da Misericórdia, que em Lisboa assume grande parte das tarefas que no resto do país cabem ao Instituto de Segurança Social, vai agora tentar esta via.

"O acolhimento em família, mesmo que não seja a família de origem, é sempre preferível ao isolamento total ou à institucionalização", considera o sociólogo Paulo Machado. "Naturalmente, isso pressupõe um quadro de regulação muito forte, um acompanhamento muito próximo, porque os idosos não podem ir de uma situação difícil para uma situação ainda pior."

Nunca foi uma prioridade para a Segurança Social. Não só por requererem o tal acompanhamento. "Antes, as pessoas procuravam os lares quando ainda tinham algumas capacidades. Hoje, chegam aos lares mais tarde e com capacidades diminuídas", salienta Edmundo Martinho. "E não é qualquer família que pode responder a estas situações - isto tem exigências técnicas." Não é à toa que a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados cresceu 58,7 por cento em três anos.

"Algumas famílias demitem-se, mas há famílias com boa vontade que não têm respostas", constata Gina Bento, coordenadora do serviço social do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (Portimão e Lagos). A crise não trouxe, a este nível, nada de novo: "Têm falta de condições físicas, psicológicas e económicas para tratar da pessoa em situação de dependência."

Gina Bento não fala apenas de idosos. Também de doentes psiquiátricos, que neste momento não têm solução na rede. "Lembra-me de uma neta que trouxe uma avó com Alzheimer e disse: "Eu não aguento mais." Quando as famílias chegam aqui, estão no limite."

Atendendo a que a maior parte das pessoas vai depender das famílias e que as famílias não têm tempo, Inês Guerreiro advoga que o papel da família como cuidadora de idosos tem que ser revalorizado. E o Estado tem de dar o exemplo. Sintomático é o facto de as mensalidades de um lar entrarem para o IRS e não haver incentivos fiscais para a manutenção do idoso em casa.

Para manter os idosos em meio natural de vida o maior tempo possível e para ajudar as famílias a conciliar a vida profissional com a vida familiar, o apoio domiciliário é apontado por diversas fontes como a prioridade desejável: são 60 mil os que recebem este tipo de apoio por parte da Segurança Social e apenas cinco mil por parte da rede. "É pouco", admite Inês Guerreiro.

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