Emigração para o Reino Unido cresceu oito vezes em 20 anos

Eram cerca de 30 mil há duas décadas. Hoje, ascendem a 250 mil. Os cidadãos de nacionalidade portuguesa chegam de todos os cantos do país, mas também da Índia, do Brasil, dos países africanos de expressão portuguesa e de antigos pólos de atracção, como a África do Sul e a Venezuela.

"Antes podia falar à vontade e ninguém percebia nada. Agora, há sempre um português por perto! Já não é seguro dizer o que se pensa." A queixa, lançada em jeito de piada por Rosalina Freitas, uma portuguesa radicada no Reino Unido há 15 anos, indicia o boom."É uma comunidade que não pára de crescer", avalia o cônsul-geral de Portugal em Londres, João Bernardo Weibstein. "Há 20 anos, não ultrapassava os 30 mil. Agora, com base em fontes diversas, estima-se que atinja os 250 mil." Não por acaso. A economia tem estado particularmente dinâmica e a libra mantém-se forte.
É impossível confirmar estes dados na estatística oficial do Reino Unido. A distinção dos estrangeiros registados não se faz por nacionalidade, mas por "grupo étnico", o que resulta em "brancos", "asiáticos", "negros", "chineses" e "outros grupos". Portugal também não tem controlo.
Extinto que foi, em 1988, o registo baseado no "passaporte de emigrante", o Instituto Nacional de Estatística criou o método da inquirição indirecta. O último inquérito aplicado a uma amostra representativa indicava que o Reino Unido já batera a Alemanha como pólo de atracção (só a Suíça e a França o venciam). Apontava 3893 saídas em 2003. E muitos migram directamente de outros países para a Grã-Bretanha.
O direito à livre circulação dificulta as contas, mas há evidência de que o fluxo é significativo e permanente. "De Abril de 2004 a Abril de 2005, houve 12.200 inscrições no consulado, o que dá uma média de mil por mês. É uma brutalidade", considera Weibstein.
Como o acto não é compulsivo (calcula-se que apenas "metade a um terço" o cumpram), o número de inscritos ronda os 115 mil. Aos serviços acorrem, por vezes anos depois da chegada, "os que vivem perto de Londres, os que são obrigados pelo empregador, os que não nasceram em Portugal mas podem reclamar nacionalidade". Para o diplomata, "isto merecia um estudo profissional".
Abundância de passaportes falsos à parte, "metade" dos indivíduos com nacionalidade portuguesa será composta de naturais do continente e da Madeira. O resto será originário da Índia (Goa, Damão e Diu), dos países africanos de expressão portuguesa (sobretudo, de Angola), da China (por via de Macau), do Brasil e de outros velhos pontos migratórios, como a África do Sul e a Venezuela.
Mesmo assumindo que metade das pessoas que ali exibem nacionalidade lusa não saiu
de Portugal, o cônsul fala "numa explosão". A comunidade originária de Portugal quadruplicou em 20 anos. E o movimento ganhou fôlego, sobretudo, na última década.

Jovens pouco escolarizados A situação é anómala. Com a adesão à União Europeia, os países menos desenvolvidos notam rápida diminuição dos movimentos de saída. Foi assim com a Itália, com a Espanha, com a Grécia. E Portugal anunciou, até em livro, que se tornara um país de imigração.
Certo que a comunidade oriunda de Portugal já não se reduz aos madeirenses que "fazem camas e lavam pratos", como diz o sindicalista Nuno Guerreiro. Mas, por muito que o sucesso de José Mourinho inche a auto-estima de muitos, a migração de luxo permanece ínfima.
Os portugueses encontram-se em diversas áreas profissionais. Competem, porém, sobretudo pelos trabalhos de hotelaria, restauração, serviço doméstico, limpeza, construção, agricultura e afins (fábricas de empacotamento e de transformação de alimentos), retrata o edil social Alvim Faria. E no Reino Unido inteiro.
O recém-chegado, caracteriza o cônsul, é jovem e pouco escolarizado. Uma pesquisa feita pela Comissão da Igualdade da Irlanda do Norte em 2002 confirma tal leitura: revelava que 80 por cento dos portugueses que trabalhavam naquela zona tinham entre 22 e 31 anos. A mobilidade é grande. Dois terços tinham cumprido acordos idênticos noutros países da União.
Uma fracção significativa desta nova migração processa-se por intermédio de empresas de trabalho temporário e firmas com projectos de subcontratação. E nem sempre a aventura corre bem. "Nove em cada dez dos cidadãos que se dirigem aos serviços sociais do consulado não têm contrato de trabalho", revela Alvim Faria.
Mais do que uma imagem de crime - como a projectada por Hugo Quintas, suspeito de ter assassinado a namorada em Trowbridge -, os portugueses vestem o papel de trabalhadores comunitários que desconhecem as leis laborais britânicas e não dominam a língua. O número de presos comunicados ao consulado fica-se pelos 67. Os postos da Citizen Advice, os sindicatos e outros organismos somam casos de explorados. Muitas vezes, a fraude decorre de incumprimento de promessas feitas, um problema ampliado pela existência de empresas clandestinas que aparecem e desaparecem num abrir e fechar de olhos, têm denunciado os sindicatos.

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