"A final do Mundial seria o 'happy end'"

Portugal não se resume no Mundial apenas à selecção nacional. Vítor Pereira é um dos 36 árbitros escolhidos para a fase final do torneio e vai entrar em acção na terça-feira. Diz que vai embora de consciência tranquila, mas pode ser apenas um até breve, já que estuda convites do Japão e dos EUA. Vítor Pereira - Não. Estou aqui há 15 dias, tenho cumprido o plano de treinos estabelecidos. Espero tranquilamente o jogo e já estou no 'countdown'. A ansiedade só prejudica.Mas já lhe apeteceu apitar?Sim. Gosto muito de apitar. Por mim tinha apitado estes primeiros 36 jogos [só foram designados os árbitros para este jogos, tantos quantos são os árbitros que estão no Mundial].Como ocupa os dias?Passo a manhã a treinar. Faço corrida, todo o tipo de trabalho físico, técnico, no campo, na piscina, no ginásio. À tarde fazemos uma reunião técnica e analisamos os jogos da véspera. Tem gostado das arbitragens?Está ao nível do Mundial. Tem havido jogos de melhor qualidade e outros de menor qualidade. Passa-se o mesmo com a arbitragem.Estão a ser cumpridas as indicações da FIFA no sentido de os árbitros serem muitos rigorosos no plano disciplinar?Na maioria dos casos sim, quer nas entradas por trás, quer nas simulações. As regras estão a ser bem aplicadas.O jogo mais polémico foi o Brasil-Turquia, que a selecção brasileira ganhou com um penalti assinalado pelo coreano Kim Young Joo. O árbitro decidiu bem?As pessoas quando criticam deviam saber o que dizem. Ao contrário do que foi dito, o aferir da falta será onde o agarrão começa ou onde provoca o desequilíbrio do avançado brasileiro? O árbitro deve ou não dar a lei da vantagem ou interromper o jogo perante uma situação onde pode criar-se muitíssimo perigo?Então está correcta a decisão?Não. O árbitro não agiu bem. A questão não toma é foros tão escandalosos como foi dito. Quando se diz que foi um escândalo, nós [os árbitros que estão no Mundial] vimos a imagem detalhadamente e concluímos que o jogador brasileiro só perde o equilíbrio muito perto da grande-área e que o defesa turco só larga a camisola a roçar a área. Ao contrário do que se diz, não foi três, quatro metros antes da grande-área. Reparei que num caso ou outro não foi bem aplicada a regra quanto às faltas por trás.Há uma situação ou outra em que notei isso. O que sobressai, tendo em conta que estamos num Mundial, é que tem havido um comportamento muito aceitável por parte das equipas de arbitragem. O França-Dinamarca é decisivo para as duas equipas continuarem em prova. Está à espera de muita pressão?Não espero nada. Estou preparado para tudo. Se houver pressão é sobretudo sobre os jogadores franceses, que são campeões do mundo e correm o risco de serem eliminados já. Lá estarei para cumprir a minha função, para estabelecer que as leis do jogo sejam cumpridas.Está fisicamente preparado para o jogo?Felizmente. Tem alguma superstição quando entra em campo?Não. Apenas entro no relvado de pé direito. A minha avó sempre dizia para o fazer quando entrava na escola. Faço-o não como superstição, mas em memória há sua imagem e às pessoas que gostam de mim. O árbitro Hugh Dallas e o árbitro auxiliar Igor Sramka já vieram falar consigo sobre a meia-final do Europeu de 2000, onde Portugal foi eliminado pela França devido a um penalti que deu muita polémica no nosso país?Claro. Falamos muito de arbitragem. Perguntaram-se qual tinha sido a repercussão daquela situação [a mão de Abel Xavier]. Mostraram algum arrependimento?A decisão foi correcta. Eu disse isso 30 minutos depois do jogo acabar. E estava na bancada a ver o jogo e na altura não vi as imagens pela televisão.A Federação Portuguesa de Futebol já manifestou a sua estranheza à FIFA por ter nomeado ambos para o Portugal-Polónia da próxima segunda-feira. Percebe a indignação da FPF?Percebo. Penso que a FIFA devia poupar os dois árbitros a esta situação, que é desconfortável para eles e para Portugal. Eles também se sentem desconfortáveis.Este Mundial representa a sua saída de cena...Penso nisso há dois anos, quando anunciei o meu final de carreira. Estou a encará-la com a mesma naturalidade com que iniciei a actividade. A vida tem ciclos e vou encerrar um ciclo com a arbitragem.Esta é a melhor das despedidas?É o melhor que me podia acontecer, tendo em conta o que representa um Mundial e tendo em conta toda a festa é, de facto, o melhor desejo que um árbitro tem para acabar a carreira.Esta época esteve na Supertaça Europeia e na final da Taça UEFA e agora está no Mundial. É um ano em cheio...É. Penso ser o único árbitro na história da arbitragem europeia a apitar na mesma época desportiva duas finais europeias.Vir ao Mundial é financeiramente compensador?Depende da importância que dermos ao dinheiro. Entre a final e o jogo de abertura do Mundial qual preferia?A final é a final. O jogo de abertura é o aperitivo, a final o conhaque. Era um grande 'happy end'.Isso significava que a selecção nacional não era finalista.Nem que eu fosse ver da bancada. Já sente saudades?(Risos). Ainda tenho uns joguitos para fazer. Parte com a consciência tranquila?Pelo meu percurso, pelos resultados da minha carreira, deixo a arbitragem de consciência tranquila porque fiz tudo o que estava ao meu alcance. Mas não tem pena de acabar agora?Se eu quisesse podia continuar a apitar. A decisão foi tomada de forma consciente, assumida e livre. Aliás, tenho convites para o fazer no estrangeiro. Onde?No Japão e nos Estados Unidos. Lá o limite de idade não são os 45 anos. Se aceitar será uma experiência muito curta, que funcionaria como experiência, não ia ficar por lá uma época desportiva. É um futebol e uma sociedade diferentes. Nunca vivi num desses países, nunca arbitrei numa dessas Ligas. Seria interessante, enriquecedor. A FIFA chegou a pensar em aumentar o limite de idade, que hoje é de 45 anos. Nesse caso, aceitava continuar?Ponderava a possibilidade, tendo em conta a condição física, a capacidade técnica e a experiência. Seria uma das possibilidades. Depois de acabar a carreira vai continuar ligado à arbitragem?Não sei. Todos os cenários são possíveis. A formação é uma possibilidade. Qual foi a sua melhor arbitragem?Tenho muitas, felizmente. Lembro-me de um jogo entre a Juventus e uma equipa alemã para a Liga dos Campeões. O resultado foi 4-4. Foi um jogo diabólico. Já reconheceu ter feito más arbitragens?Já reconheci algumas. Mas essas são para não recordar. Há alguma coisa de que se arrependa?Se calhar de me ter dedicado quase em exclusividade à arbitragem. Se pudesse voltar atrás teria relativizado a minha carreira. Valeu a pena ser árbitro?Valeu. Foi recompensador.Ficou a faltar alguma coisa na sua carreira?Penso que não. Podia ter feito mais, realizado mais, mas também podia não ter feito nada. Cada momento foi um passo, sendo certo que fiz uma carreira sempre ascencional, sem retrocesso e sempre com consistência e grande rigor e isso é o mais importante.Como árbitro o que é que tolera menos na atitude de um jogador em campo?A falta de espírito desportivo, de 'fair play', e uma atitude intencional e maldosa que põe em causa a atitude física do adversário. Como adepto como viu a derrota de Portugal com os Estados Unidos?Fiquei tão desiludido como todos os portugueses. Desejava uma vitória e uma boa exibição.Portugal tem hipóteses de passar à fase seguinte do Mundial?Não sei, sinceramente. Agora é fundamental uma vitória sobre a Polónia e deixar em campo uma boa imagem. Frente aos EUA foi muito pobrezinha.Que conselhos, como árbitro, daria aos jogadores portugueses no jogo contra a Polónia?Que aceitem as decisões do árbitro. Não se concentrem no árbitro, mas sim no jogo e na tarefa que têm de fazer.

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