Sócrates admitiu influenciar decisão camarária para favorecer empresa preterida num concurso

O antigo deputado socialista José Sócrates, actual ministro do Ambiente, envolveu-se pessoalmente, em 1995, numa operação que tudo indica ter tido como objectivo alterar uma decisão da Câmara da Covilhã, por forma a que esta adjudicasse a uma empresa de um conhecido seu um concurso público já ganho por um outro concorrente. A conversa telefónica durante a qual Sócrates manifestou a intenção de intervir no caso e recomendou ao empresário que "ajudasse" o secretário do presidente da autarquia, para este agir em favor da empresa, foi gravada pela Polícia Judiciária (PJ) no âmbito de uma investigação autorizada judicialmente."Isto fica somente entre nós", terá afirmado José Sócrates, de acordo com o resumo do telefonema redigido pela PJ, a propósito da necessidade de o empresário "ajudar" Carlos Martins - um homem que, além de secretariar o então presidente socialista da Covilhã, Jorge Pombo, era e é o principal operacional do aparelho socialista na região.Em causa estava a construção da Biblioteca Municipal da Covilhã, empreitada a que tinham concorrido, nomeadamente, as empresas Abrantina e a Ceoga, ambas com ligações a empresários originários da zona. Face às propostas apresentadas, o executivo camarário aprovara, a 13 de Junho de 1995, a intenção de adjudicar a obra à Abrantina por cerca de 173 mil contos. De fora ficava a concorrente que apresentara o preço mais baixo, a A.D. Riscado, mas também a Ceoga, que propusera menos oito mil contos do que a vencedora.Particularmente descontente com a decisão camarária terá ficado Álvaro Geraldes Pinto, um empresário natural do vizinho concelho de Belmonte, mas que há muitos anos tem as suas actividades sediadas em Lisboa. Além dos interesses que tem na Ceoga - uma empresa que entretanto foi desactivada, com mais de um milhão e 200 mil contos de dívidas -, Geraldes Pinto dirigia (e dirige, juntamente com um irmão) a Gitap, sociedade que há muito domina o mercado de estudos e projectos de grande parte das câmaras socialistas de todo o país. Já conhecedor da decisão camarária, o deputado José Sócrates pegou no telefone no dia 21 de Junho daquele ano e ligou para Álvaro Geraldes Pinto. O telefonema foi feito para a Gitap, mas o azar quis que a conversa fosse integralmente gravada pela PJ, no âmbito de uma operação autorizada por um tribunal para esclarecer as relações entre o ex-presidente da Câmara da Nazaré, o socialista Luís Monterroso, a Gitap e a Oficina de Eventos - uma empresa de "marketing" político fundada pelos irmãos Álvaro e José Geraldes Pinto, ambos militantes socialistas, e então suspeita de ter financiado ilegalmente a campanha autárquica de Monterroso em 1993.De acordo com o resumo da conversa feito pela polícia (ver transcrição nestas páginas), que nalguns casos recorre à citação de frases completas e ao qual o PÚBLICO teve acesso mediante autorização judicial, o telefonema terá servido para o deputado se inteirar dos problemas da Ceoga e das medidas a tomar no caso da sua preterição na Covilhã. Em resposta à afirmação de Geraldes Pinto de que contava reclamar contra a adjudicação à Abrantina, Sócrates ter-lhe-á dito que ia telefonar a Carlos Martins para lhe pedir que contactasse o empresário, insistindo, porém, em que este teria de "ajudar" o secretário de Jorge Pombo."Lobbies" cruzados no PSAo longo do relato da conversa constata-se que os dois homens nunca falaram na Ceoga, nem na obra em concreto a que esta tinha concorrido, nem na função desempenhada por Carlos Martins. Sobre este a PJ escreve entre parênteses que deverá tratar-se de um vereador da Câmara da Covilhã. Sobre a empresa de Geraldes Pinto, a polícia presume que se trata da Gitap, uma vez que o telefonema é feito para os seus escritórios.Na verdade, a firma envolvida no caso é a Ceoga, e Carlos Martins é o "homem de mão" dos socialistas da Covilhã, um militante que já foi funcionário do partido, era na altura secretário do presidente da câmara e desempenha actualmente as funções de presidente de uma das juntas de freguesia da cidade e de delegado distrital do Inatel. Considerado como uma das personagens mais influentes no aparelho socialista da região, Carlos Martins é conhecido pelas suas estreitas ligações a José Sócrates - relações essas que remontam ao tempo em que o actual ministro era funcionário da Câmara da Covilhã e, mais tarde, membro da sua assembleia municipal.No decurso da conversa entre Sócrates e Geraldes Pinto surge também uma alusão a um dos accionistas da Abrantina, um empresário natural da Covilhã que, segundo várias fontes contactadas pelo PÚBLICO, teria relações muito próximas com outros destacados socialistas da terra, igualmente influentes na gestão camarária.De acordo com a PJ, Sócrates e Carlos Martins "terão ficado furiosos face ao afastamento da Gitap", que, afinal, era a Ceoga. Numa outra chamada interceptada pela polícia no dia seguinte, Carlos Martins esclarecerá mesmo o empresário Geraldes Pinto que "não teve qualquer responsabilidade" na entrega do contrato à Abrantina, acrescentando que o presidente da câmara, Jorge Pombo, se encontrava em Bruxelas com um grupo de jornalistas do Fundão, precisamente a convite da Gitap.O interesse do deputado socialista pelos negócios da Gitap e da Ceoga não se circunscrevia, contudo, aos problemas da Covilhã. Na mesma conversa telefónica, Sócrates quis saber como é que estava "a situação de Sintra", câmara com a qual Geraldes Pinto tinha tido um longo contencioso e onde possuía diversos interesses. O empresário terá respondido que "as coisas" pareciam "bem encaminhadas". E o deputado ter-lhe-á confessado que já tinha falado "com a Edite".

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