Regras para as notícias sobre suicídios

A Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS) considera que os "media" portugueses deveriam noticiar os casos de suicídio de forma mais "contida", atendendo ao efeito de "contágio" ou "imitação" que esses acontecimentos podem provocar. Carlos Brás Saraiva, presidente da SPS, defende que uma notícia "irresponsável" sobre um suicídio pode ser "a gota de água" que faz alguém, mais vulnerável ou predisposto, praticar um acto semelhante.Esta é a questão que vai dominar o simpósio "Suicídio e Comunicação Social", a decorrer hoje na aula magna do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, destinada a técnicos de saúde mental e jornalistas.Brás Saraiva é muito crítico em relação à forma como foram mediatizados vários casos de suicídio em Portugal, nos últimos anos: o triplo pacto suicida do viaduto Duarte Pacheco, em Lisboa; a ingestão de veneno por uma menina - acompanhada por especulações acerca da presença de produtos tóxicos nos pacotes de uma marca de leite; a morte de um jornalista da TVI, na Ponte 25 de Abril, e o duplo pacto suicida de Guimarães são, para aquele psiquiatra, alguns maus exemplos do comportamento da comunicação social.E em que falharam, então, os "media", na perspectiva da SPS? Desde logo, no destaque dado aos acontecimentos, com honras de abertura de jornais televisivos e manchetes na imprensa. Mas também na descrição detalhada dos factos e, sobretudo, na identificação das vítimas e devassa da família, como no caso da menina que ingeriu o E-605 Forte.Mas é sempre possível fazer pior, "noticiando", por exemplo, um suicídio que não aconteceu. Carlos Brás Saraiva recorda uma história recente também passada em Portugal, em que um indivíduo desapareceu de casa, onde deixou uma nota de despedida, avisando que se ia matar. Acabou por não consumar o acto, mas já os jornais e a televisão tinham mostrado a sua família, desolada por não aparecer o corpo... Como se adivinha, a história não beneficiou nada a saúde mental do indivíduo em causa.O presidente da SPS admite a existência de um conflito entre a prevenção do suicídio e os critérios jornalísticos, segundo os quais a notícia é apenas o acontecimento em si, sem problematizar. Além das regras definidas pela Organização Mundial de Saúde no ano passado (ver caixa), o fundador da Consulta de Prevenção do Suicídio dos Hospitais da Universidade de Coimbra prescreve aos "media" que não deixem de divulgar os serviços de atendimento (consultas e linhas telefónicas SOS) destinadas a quem se sente desesperado.Há muito que se sabe que o suicídio pode provocar efeitos de contágio ou imitação por pessoas em situação de particular vulnerabilidade. É o caso dos adolescentes, "particularmente susceptíveis, por se encontrarem num período de procura de referências". O suicídio de ídolos, como Kurt Cobain, o vocalista dos Nirvana, que se matou em 1994, ou, mais remotamente, Ian Curtis, dos Joy Division, promove - defendem os especialistas - a "identificação patológica" de jovens que aspiram a partilhar o destino dos seus heróis. O "efeito Cobain" está documentado a nível internacional. Brás Saraiva não arrisca dados quantitativos, mas afirma que, na sua experiência clínica, já se lhe depararam fenómenos destes. Por outro lado, estudos recentes dão conta de um aumento dos comportamentos autodestrutivos dos jovens portugueses.O poder "contagiante" do suicídio está longe de ser novidade . Já no ano 100, Plutarco contava o caso das raparigas de Mileto: "Todas foram possuídas por um desejo de morrer e uma vontade furiosa de se enforcar." No século XVIII, o "Werther", de Goethe, foi proibido na Itália, Alemanha e Dinamarca, onde houve jovens a imitarem o herói do romance, que se matou por amor. Em 1974, o sociólogo americano D. Phillips falava de um "efeito Werther", para se referir à conclusão do seu estudo acerca das manchetes sobre suicídios do "New York Times", entre 1946 e 1968: consultando as estatísticas, verificou que os suicídios aumentavam após a publicação de uma história desse teor.

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