Homer, o pai ideal. Dooh?

Ele é um completo idiota. A sua "amante secreta, mestre e mãe" na vida é a Televisão, que juntamente com a cerveja preenchem a sua vida interior. Foi sempre o pior da classe, o seu único sucesso foi casar "por penalty" com a sua paixão infantil, a colega Marge, que todos sabemos que é boa demais para ele, menos ela. É glutão - o que ele não fará por um (qualquer) donut? -, egoísta, preguiçoso, deselegante, esquece os dias dos aniversários, não vê a filha bebé e quase todos os dias tenta estrangular o primogénito. Não tem qualquer charme e começa a salivar ao mero vislumbre de umas jogadoras de voleibol. E, pior do que tudo come (e se come!) com a boca aberta. Crê em Deus, uma enorme personagem de barba branca, com cinco dedos em cada mão em vez dos quatro do resto das personagens. Como diz uma das irmãs de Marge "cheira a mil demónios", é como um "cão preso num corpo de homem".Quando abre a boca, que não seja para comer ou bocejar, tem pérolas de sabedoria: "A resposta para os problemas da vida não estão no fundo de uma garrafa, mas na TV";"Não há nada de errado em bater em alguém que está de costas"; "Pelo álcool. A origem e solução de todos os problemas da vida";"Crianças, vocês tentaram o máximo e falharam miseravelmente, a lição é nunca tentar". Não se estranhe pois que este anti-herói, protagonista dos desenhos animados, um fracassado homem tenha sido eleito como o melhor pai do mundo. A sua filosofia é analisada por académicos, a sua particular fé em Deus inspira padres e especialistas que escrevem livros sobre o seu cristianismo (apenas um exemplo: "The Gospel according to The Simpsons" de Mark Pinsky), os psicólogos e sociólogos esmiuçam a sua relação com os filhos e religião. Numa sondagem do britânico Channel Four, foi eleito o maior personagem de todos os tempos da televisão. Aquela cara de torta e pele amarela está comercializada por todo o lado desde as t-shirts, aos estojos de lápis, das pegajosas gomas gigantes aos copos para lavar os dentes. E em todo o mundo. Num inquérito feito a mil meninos britânicos pela multinacional Woolworths, 22 por cento das crianças disse estar disposto a trocar o seu pai pelo progenitor de Bart, Lisa e Maggie. O que é que se passa?Nada de grave. A ficção desta série americana com treze anos vista por mais de 60 milhões de almas e mais de 70 países, repete a realidade. Se calhar, Homer, inspector do sector 76 da Central Nuclear de SpringField tinha razão: "Não podes depender de mim a vida toda. Lembra-te que dentro de cada um de nós está um pequeno Homer Simpson". Mike Scully, um dos produtores executivos de Os Simpsons diz quase tudo: Homer "encarna o apetite desbocado, os impulsos egoístas, os hábitos perniciosos e a gratificação instantânea mais rasteira que nos aflige a todos. Para ser mais preciso, representa o homem, a masculinidade no seu estado mais baixo. Se nós homens fôssemos honestos reconheceríamos de que há muito Homer dentro de nós mesmos, a única diferença é que ele diz as coisas em voz alta". Numa visão simplista e maniqueísta ele é um tipo mau. George Bush (o outro, não o actual presidente cowboy dos EUA) não teve dúvidas. Em 1992, na campanha eleitoral disse preferir uma família mais próxima dos Walton, série popular dos anos 70. Mas a verdade é que Bush perdeu as eleições e Homer (Bill Clinton, um homem com pecados) ganhou-as. Os Walton eram uma família pia mas irreal. Os estudos sobre esta figura denunciam a sua ambiguidade moral. É um completo vilão na superfície mas por dentro é quase um santo, dizem. Escutem-se os "homérfilos": Alistair McCleerly, professor de Literatura na Universidade Napier (Edimburgo) num seminário sobre "Ter um donnut e comê-lo: a autoreflexão nos Simpsons": "Treme perante a tentação mas sempre volta a casa numa reafirmação dos valores familiares. Em dois episódios quase comete adultério mas não é capaz porque pensa constantemente em Marge. A família permanece como um factor essencial no núcleo da sociedade".(O interesse académico por Homer tem a ver com a vontade de tornar a paternidade uma área de investigação. Por ano, há 300 estudos sobre os pais face a mil sobre as mães. E, no entanto, cada vez se percebe mais a importância do pai como figura crucial para os adolescentes.) Charlie Lewis, professor de Psicologia do Desenvolvimento e da Família na Universidade de Lancaster: "Homer é um bom ícon ocidental para os pais. O que ele faz de melhor é sentar-se em casa com os miúdos a ver televisão, mas a maioria dos homenes não o podem fazer porque estão muito ocupados ou não estão emocionalmente disponíves. Não quer isto dizer que todos os pais devem ser assim, mas que devem gastar mais tempo com os filhos". Pastor Andy Glover, da Hull Baptist Church: "Marge e Homer continuam juntos, e a familia come unida." Matt Groening, autor da série: "Não apenas os Simpsons acreditam em Deus e vão à Igreja, como falam com Ele de vez em quando". Eric Michael Mazur, no livro "God in the Details: American Religion in the Popular Culture": "Homer cumpre o papel do errante espírito americano, uma eterna busca do seu próprio eu". Tony Campolo, professor de sociologia: "Para ele Deus é como um páraquedas que espera não ter que utilizar nunca, mas que quer que esteja aí, para o caso de. Quando se mete nalguma embrulhada recorre a Deus e roga-lhe um milagre, mas quando isso sucede não o transforma num homem de fé nem de profundas convicções morais. Uma vez superada a crise todo o pensamento sobre Deus se esfuma". Rowan Williams, arcebispo de Gales: "É umas das peças mais súbtis de propaganda que existem a favor dos sentimentos de humildade e virtude". A sua estupidez pode ser cósmica, mas também o é a sua sabedoria cada vez que regressa ao amoroso lugar de Marge. Isto é, em definitivo, o que aponta para a sua porfunda, ainda que primitiva, ortodoxia religiosa. Apesar de si mesmo salva-o a maior virtude cristã: o amor. Seja então. Mas as crianças preferirem Homer aos seus pais... "Dooh?"

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