Guiné-Bissau: panaceias, lenitivos e paliativos

Tenho vindo a defender, publicamente, a ideia de que a comunidade internacional deveria ponderar seriamente a possibilidade de a Guiné-Bissau passar à gestão das Nações Unidas por um período entre 8 a 10 anos e, só então, proceder-se à transferência de poderes através de eleições. Os dados da ideia foram lançados, assistindo-se, a um aceso debate a esse propósito. A temática reporta-se a uma das questões muito caras aos guineenses, ciosos da sua noção de Nação. Passaram a existir inúmeras vozes concordantes, algumas cépticas e outras discordantes. Felizmente que assim é, pois registamos, com júbilo que, afinal, de alguma forma, o assunto está agendado no plano nacional, não devendo tardar muito que o venha a ser no plano internacional. Sobre a ideia de um protectorado das Nações Unidas para a Guiné-Bissau, todas as leituras desembocam na constatação de que a sucessão de golpes e contra golpes comportam causas profundas e complexas, sem fim à vista. Torna-se imperativo fazer alguma coisa para estancar a espiral de violência que ciclicamente se abate sobre a Guiné-Bissau, onde, infelizmente, até hoje, os nossos mais próximos amigos, mesmo os mais bem intencionados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), nos ajudam, paradoxalmente, a justapor panaceias, lenitivos e paliativos, que não resolvem nada e acabam por potenciar novas crises. Lavram-se "memorandos de entendimento", a despeito da sempre provável implosão dos desentendimentos, inibindo o génio e a força criadora guineenses, e engendrando novos golpes e contra golpes.Perante a proposta de colocar a Guiné-Bissau sob tutela das Nações Unidas, não venham agora - só agora! - com o argumento de que, nós os guineenses, somos mais ciosos do nosso incipiente sentido de Nação do que a necessidade de construirmos um verdadeiro Estado de Direito. Pode ser até que a gestão das Nações Unidas para a Guiné-Bissau venha a funcionar como um importante tónico para a nossa capacidade de coesão nacional.Ante a nova crise golpista (a de 6 de Outubro passado), ao invés de procurarmos grandes remédios para os grandes males, não hesitamos em culpar a comunidade internacional pela não concretização das promessas de ajuda, eximindo-nos de questionar o lugar que ocupamos no concerto das nações, onde, porventura, mais por culpa própria do que da comunidade internacional, nem sequer tomamos parte efectiva. É verdade que o sistema internacional é, além de desfavorável, também injusto, sobretudo para os mais fracos, como nós. Ora, não é menos verdade de que não podemos e nem devemos contar excessivamente com a chamada ajuda ao desenvolvimento, na medida em que, a lógica do dom, no contexto das linhas de força que caracterizam as actuais relações económicas internacionais, é quase matéria do passado. A Guiné-Bissau tem que de alguma maneira aceder as vantagens comparativas, isto é, tem de produzir para consumir. Deve criar as condições, comparativamente vantajosas, susceptíveis de atrair o investimento externo e assim produzir riqueza. E, nesse sentido, não se pode assacar culpas à comunidade internacional, quando mergulhamos na folia colectiva de conjuras fratricidas, que vem ofuscando as perspectivas de desenvolvimento.Urge por cobro a esta torrente transversal (não apenas junto às Forças Armadas) e omnipresente de golpes e contra golpes que se petrificou na sociedade com rastos de violência gratuita. Urge sanear a economia guineense, inserindo-a na economia internacional e global. Urge a criação de uma cultura de auto-responsabilização. Urge pôr travão a recorrente e perversa mendicidade a que nos entregamos. Urge tornar factível o princípio de igualdade de oportunidades, de molde a dissuadir potenciais focos de conflitos. E, sem pretender que as Nações Unidas venham a ser uma espécie de varinha mágica para todas as maleitas, cremos, que ela representa o que imperativamente precisamos. Chamemo-lo protectorado, tutela, ou superintendência; eis o que se afigura indispensável. É por essas e outras determinantes, imperativos até, que uma transitória tutela das Nações Unidas para a Guiné-Bissau, não obstante as debilidades conhecidas do sistema da ONU - mas insuspeito até pela natureza intrínseca dos princípios que o enformam - serenaria os ímpetos frenéticos dos que na Guiné-Bissau, volta e meia, chantageiam e matam impunes com armas em punho. Isso certamente as Nações Unidas não tolerariam na eventualidade de virem a assumir a gestão transitória do país. A gestão das Nações Unidas para a Guiné-Bissau criaria novos hábitos administrativos e procedimentos diferentes que criariam as condições indispensáveis à estabilização económica, política e social do país.Historiador Guineense

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