Carta aberta ao Xeque David Munir

Algumas perguntas ao Imã da Mesquita de Lisboa, Xeque David Munir.Face ao insuportável, incomodativo silêncio que o rodeia face a qualquer questão que envolva a Comunidade de que V. Exª é o líder espiritual, face à sua (prudente) reserva perante assuntos delicados (usando palavras suas) que trazem a prática do Islão, neste país, para as primeiras páginas da imprensa e da opinião pública. Perante polémicas e ataques crescentes, onde as vozes mais contundentes e agressivas são as mesmas que usam o nome de V. Exª para o elogiar e aplaudir, perante, como teve a gentileza de me explicar, a sua deliberada ausência de uma atitude pública de intervenção e esclarecimento, não resisto a, humildemente, lhe colocar as perguntas que se seguem. Penso ser tempo de se fazer ouvir a voz do nosso líder espiritual, de esperar uma resposta cabal, esclarecedora, frontal, pública, a muçulmanos e não muçulmanos, do Imã da Mesquita de Lisboa. Será tempo de quebrar silêncios e falsos consensos. Insisto: que a sua voz, enquanto líder da Comunidade Islâmica Portuguesa, seja ouvida e conhecida fora das paredes da Mesquita de Lisboa. Os tempos que atravessamos a isso obrigam. Os muçulmanos portugueses dela necessitam. A opinião pública portuguesa merece-o. Aguardo que V. Exª se digne responder, consciente de que "nenhum poder é poder, senão o adquirido através de Allâh", de que "não há nenhum poder senão em Allâh", Por favor, fale connosco.1 - Qual é, afinal, a sua posição face à MGF, Mutilação Genital Feminina, a qual tanta polémica tem levantado após a publicação no Jornal Público do excelente dossier de Sofia Branco? Trata-se, ou não, de uma prática africana, tribal, ancestral, criminosa, não islâmica? Condenável e merecedora do mais vivo repúdio por parte de todos os muçulmanos? Como pensa inverter e corrigir, denunciar de forma efectiva a prática da MGF por alguns fiéis seus, frequentadores da Mesquita de Lisboa? Como pensa V. Exª inverter os danos causados à imagem do Islão, na opinião pública portuguesa, pelas afirmações do Sr. Dumbiá? Como pensa pôr fim, a partir da Mesquita, à prática da MGF em sectores da comunidade islâmica guineense?2 - O que pensa V. Exª da questão/dossier Amina Laval, à luz de uma hipotética aplicação da Sharia, bem como dos problemas relativos à interpretação lúcida, correcta, teologicamente fundamentada da Sharia Islâmica face aos valores do mundo dito ocidental?3 - Até quando pensa V. Exª ser possível manter o silêncio e a sua postura de "diálogo ecuménico" com aqueles que insistentemente aproveitam todas as oportunidades para verter o seu ódio ao Islão, semanalmente nas páginas dos jornais, os mesmos com quem V. Exª ainda recentemente orou na sinagoga de Lisboa. Aproveitando uma "deixa" de Esther Mucznik na sua habitual coluna do Público, é tempo de "traçar uma linha vermelha entre verdadeiros e falsos crentes". Gostaria de ouvir ainda a sua voz sobre outras pertinentes e URGENTES questões que não só dizem respeito a toda a sociedade como, muito em especial, ao mundo islâmico, a todos os muçulmanos. Neste momento mais do que nunca. Não invoque, por favor, o velho cliché de que são questões políticas. Também aqui ouvi-lo será importante. Há que quebrar silêncios que, penso eu, só aproveitam aos inimigos do Islão. Assim:4 - Iraque. Qual a sua posição sobre a cada vez mais provável agressão a um povo inocente, remetido ao desespero e à miséria por anos infindáveis de sanções, por parte dos EUA? Como a justifica? (E eu não me esqueço que foi, apesar de toda a minha solidariedade para com o Iraque, Saddam Hussein, a mando dos mesmos EUA, quem atacou e tentou aniquilar a Revolução Islâmica Iraniana).5 - Palestina. Que fazer face aos crimes, quotidianos, praticados pelos sionistas de sharon [a letra minúscula é propositada]? Qual a sua opinião sobre o "estado" de israel [a letra minúscula é propositada]? Qual a sua opinião sobre uma Palestina livre e independente, com capital em Jerusalém e que merece toda a nossa solidariedade? Que pensa V. Exª sobre o Venerável Sheikh Ahmad Yassim? E sobre essa farsa, o "julgamento" de Marwan Barghouti?Ainda algumas reflexões dispersas.Os primeiros sinais (de intolerância) verificaram-se na última campanha eleitoral. Depois, a secretária de Estado da Educação, Mariana Cascais, em plena Assembleia da República, ao arrepio do determinado pela Constituição do meu País, proclamou ser a religião católica a "religião oficial do Estado". Levantaram-se inúmeras vozes, indignadas. Não tomei conhecimento de uma posição oficial dos representantes da Comunidade Islâmica.Fui efectuar a matrícula da minha filha de seis anos de idade. Numa escola pública. No Boletim de Matrícula declarei que a mesma é muçulmana. Qual não é o meu espanto quando constato a violação básica dos meus direitos constitucionais ao verificar que, abusivamente, as salas de aula estavam "decoradas" com crucifixos. Incrédulo, recorri às mais variadas e competentes autoridades. Sem uma resposta cabal até ao momento. E, com a manutenção dos crucifixos nas salas de aula.Na tranquilidade do mês de Agosto, aprovado em Conselho de Ministros, sai um novo decreto-lei. Fiel a si própria, a secretária de Estado [da Educação] oferece uma "prenda" ao Secretariado Nacional da Educação Cristã. Veja-se a "eufórica" reacção de Cândida Madureira, num País que desde o 25 de Abril, tem uma clara separação entre Estado e Igreja. Assim, no 1º ciclo, a Educação Religiosa Católica passa a ser leccionada dentro das (obrigatórias) 25 horas semanais de aulas. Não sei se a disciplina "voltou ao lugar devido" (sic). Não sei se a minha filha vai para o corredor ou para o recreio, durante esse tempo de aula, supervisionada por uma auxiliar. Sei que todas as religiões deviam estar representadas, o que não se verifica. Sei que a escola, em Portugal, é laica. Sei que esta determinação entra em choque, provavelmente, com a Constituição Portuguesa. Espero que, URGENTEMENTE, os líderes da Comunidade Islâmica Portuguesa tomem, publicamente, as medidas e atitudes necessárias à condenação e revogação desta "tão estranha atitude".Muito mais haveria a escrever. Mas fico por aqui. Espero uma resposta sua. Peço-lha. E, muito sinceramente, espero que no futuro a sua voz se faça ouvir, de forma mais constante e pública, na sociedade portuguesa. No mínimo por V. Exª representar a liderança espiritual da nossa Comunidade.*Muçulmano xiita, licenciado em Filosofia

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