Pela primeira vez na história, Brasil passa a credor do FMI

Lula da Silva realça momento histórico e frisa que verba superior a três mil milhões de euros será para dinamizar países emergentes

a "Chique", "histórico", "soberano". Não faltaram adjectivos ao Presidente brasileiro, Lula da Silva, para classificar o empréstimo que o país vai conceder ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao anunciar a decisão, logo após a cimeira do G 20, em Londres, Lula da Silva acentuou que vai entrar para a história como o "primeiro Presidente" do Brasil a disponibilizar verbas ao organismo. "Você não acha chique o Brasil emprestar dinheiro para o FMI?", perguntou a um dos jornalistas presentes na conferência de imprensa. "Eu passei parte da minha juventude a carregar faixas contra o FMI no centro de São Paulo e, agora, serei o primeiro Presidente deste país a emprestar dinheiro à mesma estrutura a quem já devemos muito dinheiro", enfatizou.No final desta semana, o Governo brasileiro anunciou que vai disponibilizar 3,4 mil milhões de euros ao FMI, com o objectivo de ajudar países emergentes que enfrentam dificuldades de crédito devido à crise internacional. "Agora estamos a entrar no clube de credores do FMI", frisou o ministro das Fazenda (Finanças), Guido Mantega.
Actualmente, dos 185 países que integram o organismo, só 47 é que cumprem os requisitos para serem credores - ou seja, cerca de 25 por cento dos membros. "São países que são avaliados e que demonstram que têm solidez em suas contas externas e têm reservas. É claro que é uma honra para o Brasil", afirmou Mantega.
Como contrapartida para o empréstimo, o FMI dará ao Brasil direitos especiais de saques (SDR, na sigla em inglês) - uma espécie de moeda do fundo que, segundo Mantega, representará uma nova aplicação para as reservas brasileiras, já que os "papéis" rendem juros.
Logo após o anúncio do ministro da Fazenda, Lula da Silva voltou a terreiro para referir que as reservas internacionais do Brasil, calculadas em cerca 150 mil milhões de euros pelo conceito de liquidez internacional, são uma das principais armas do país para fazer frente à crise global. "Neste momento, quem puder contribuir [com o FMI] tem que contribuir, porque precisamos retomar a actividade económica no mundo todo", notou.
Para o Presidente brasileiro, os líderes presentes da cimeira do G20 concordaram que o maior problema do mundo, é, actualmente, a falta de crédito, e, por isso, decidiram reforçar o FMI. "As decisões que tomamos foram bem aceites, especialmente a de fortalecer o FMI, porque colocarão crédito à disposição e facilitarão o fluxo comercial", assinalou. Lula afirmou ainda que, na reunião do G20, "foi a primeira vez" que os países como Brasil, Índia, China e Rússia - e que constituem o bloco chamado BRIC - não foram tratados como coadjuvantes, e sim como protagonistas.
"O Brasil hoje tem uma presença em igualdade de condições com os outros. Hoje, já não se trata dos Estados Unidos e dos outros, ou do Reino Unido e dos outros. Hoje, todos os que estamos na mesa sabemos que precisamos uns dos outros para resolver a crise", enfatizou o Presidente brasileiro.
Brasil viveu "humilhação"
Depois de décadas a receber visitas de representantes do FMI, o Brasil saldou as dívidas com a estrutura em finais de 2005, período em que consolidou um crescimento económico na ordem dos 4 por cento e aumentou as exportações, sobretudo de minérios, etanol e produtos agrícolas. Até essa altura, sublinhou Lula da Silva antes de seguir para a cimeira do G20 em Londres, o país viveu um "inferno", uma "humilhação".
"A gente via descendo do avião, no aeroporto, mulheres e homens do FMI dando palpites sobre o que tínhamos de fazer. Aquilo era uma humilhação. Diziam que tínhamos de fazer ajuste fiscal, contenção de gastos... era um inferno", afirmou.
Lula referia-se ao longo período que ficou conhecido como a crise da dívida externa, que atingiu a América Latina no começo dos anos 80 e que teve picos mais tensos com as moratórias do México (1982) e do próprio Brasil (1987). "Antes da actual crise financeira global, disse o Presidente, o FMI vivia dando palpites sobre as economias do Brasil e de outros países da América do Sul", assegurou.
Os contratos de crédito entre o Brasil e o FMI foram uma constante, fundamentalmente a partir de finais do século passado. A última parcela da dívida, de 12 mil milhões de euros, foi saldada em Dezembro de 2005. Na altura, o líder brasileiro realçou que o país "conquistou a independência". "No dia em que tomámos a decisão de chamar o FMI e dizer para eles: 'Peguem os 16 biliões de dólares [12 mil milhões de euros] que estão depositados na nossa conta e levem embora, porque não queremos mais', o FMI não queria, porque era importante para eles nós estarmos dependentes. Um cidadão dependente não anda de cabeça erguida", referiu.
12
mil milhões
de euros
foi a última parcela
de dívida
paga
ao FMI
em 2005

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