BCP organizou "uma operação bem montada e bem urdida"

O ministro das Finanças foi ontem ao Parlamento falar sobre o BCP. Teixeira dos Santos acusou anterior gestão de ter mentido

O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, disse ontem que não é preciso ficar surpreendido com as transferências de gestores entre instituições financeiras [como ocorreu entre a CGD e o BCP] e lembrou casos não muito distantes em que isso aconteceu.O ministro defendeu que "a questão deve ser debatida, mas o que ocorreu não é inédito no sistema financeiro português e muito menos na CGD". E lembrou que "o governador do Banco de Portugal conhece os segredos das instituições bancárias e já houve um caso em que um governador saiu para presidir a um banco", acrescentando que, "na altura, a questão [da ética das mudanças entre público e privado] não foi suscitada". Sem nunca o dizer, Teixeira dos Santos lembrava o caso de António de Sousa, que passou do Banco de Portugal para a CGD. Percurso inverso fez o actual governador do Banco de Portugal, que saiu do BPI para o cargo que agora ocupa.
Teixeira dos Santos respondia a uma questão, mais vasta, levantada pelo deputado comunista Honório Novo, que lembrou que "bastaria uma palavra do ministro das Finanças para impedir que a transferência [de Carlos Santos Ferreira] tivesse ocorrido, mesmo que legalmente não pudesse ser impedido".
Operações passavam pelas
Ilhas Caimão, fora das jurisdições cooperantes, e envolviam 17 off-shores
a O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, acusou a anterior gestão do Banco Comercial Português (BCP) de ter "mentido" à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e ao Banco de Portugal (BdP), prestando declarações falsas de forma a não levantarem dúvidas aos supervisores. As declarações foram feitas ontem durante a audiência parlamentar e depois de Vítor Constâncio, governador do BdP, e de Carlos Tavares, da CMVM, terem sido ouvidos pelos deputados, no âmbito das investigações que estão a decorrer a actos de gestão do BCP.
O BCP desenhou "uma operação bem montada e bem urdida para escapar ao controlo das autoridades" de supervisão, o que "impediu qualquer hipótese" de serem detectadas irregularidades, sublinhou Teixeira dos Santos durante a sua intervenção na Assembleia da República (AR). Durante muito tempo as ex-administrações do BCP "mentiram " e "esconderam deliberadamente" dados dos reguladores, prestando informações erradas, adiantou.
O ministro aproveitou para lembrar que o BdP e a CMVM trabalham com as informações fornecidas pelas instituições supervisionadas.
No caso do BCP, as operações sob suspeita passavam pelas Ilhas Caimão, portanto fora das "jurisdições cooperantes", e envolviam 17 off-shores, sendo que nenhuma possuía mais de dois por cento do capital do banco. Sem posições qualificadas, não havia dever de informação aos reguladores.
O ministro notou que as operações irregulares estavam sustentadas numa teia complexa de relações, o que possibilitou que só fossem detectados através de uma denúncia pública identificada (Joe Berardo), que chegou ao seu gabinete no início de Dezembro. A queixa foi despachada para o secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Carlos Pina.
O que se passou no BCP é "muito grave", considerou Teixeira dos Santos, perante os deputados da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, pelo que defendeu que "as averiguações terão de ir até ao fim, doa a quem doer".
O ministro, que presidiu à CMVM até 2005, quando ocorreram os factos "escondidos", admitiu que no final possam ser deduzidas punições graves, como contra-ordenações. "A CMVM não deverá deixar de actuar", disse, pois houve prestação de informações "falsas". Os factos que estão a ser avaliados ocorreram entre 1999 e 2003, quando Jardim Gonçalves era CEO. E a eventual prestação de dados errados aos reguladores concretizou-se durante as inquirições efectuadas ao BCP entre 2001 e o final de 2007.
"As responsabilidades são das entidades que as praticaram [as irregularidades] e das pessoas que estão por detrás dessas operações", advoga o ministro, para quem "os responsáveis pelo banco tinham a obrigação de as conhecer e de as denunciar". E implicou directamente os auditores [a KPMG] e o controlo interno do BCP como os "primeiros responsáveis pela situação".
Teixeira dos Santos aproveitou para esclarecer que, sejam quais forem os resultados e as consequências das investigações que estão em curso, se recusa a "contribuir para o desmantelamento de uma instituição". Antes de o BPI ter proposto a fusão com o BCP, Teixeira dos Santos travou a solução de desmembramento do BCP como via para a crise existente no banco, e que era defendida por Carlos Santos Ferreira, então ainda presidente da CGD, pelo Banco Espírito Santo e pelo Santander.
Aos deputados, Teixeira dos Santos garantiu ainda que "não houve falha na supervisão bancária (ao BCP), as autoridades cumpriram as suas funções e levaram a cabo as diligências necessárias", salientando que "as coisas foram mudadas e disfarçadas ao longo do tempo".

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