f16 OS "FALCÕES" DA FORÇA AÉREA

Os caça F16 são os aviões mais modernos e mortíferos da Força Aérea. Foram fabricados no final dos anos 70, mas ainda são motivo de orgulho para os top gun portugueses. Todos os dias, partem do Pinhal de Leiria para vigiar os céus. Dias depois de o Governo anunciar a venda de doze destes aparelhos, o PÚBLICO explica como é o dia-a-dia na base de Monte Real e para que servem afinal os F16. "Guerra ou paz, tanto nos faz", dizem eles. Por Helena Pereira (textos) e Carlos Lopes (fotos)

Speedy, Hammer, Harpoon, Seeker, Shrimp, Jedi... Na sala de equipamentos da esquadra 201, dos Falcões, grande parte dos capacetes não estão no sítio. Os nicknames dos pilotos estão lá a marcar o lugar, mas o dia é de vários treinos e exercícios e o barulho na base aérea de Monte Real, em Leiria, ameaça tornar-se ensurdecedor.Metida no meio do Pinhal de Leiria, a base alberga os caças supersónicos F16, que são a coqueluche da Força Aérea Portuguesa. Às 10h35, um F16 faz um movimento singular: mal chega ao fim da pista, já em pleno voo, o piloto manobra o joy stick e inicia um voo completamente vertical, saindo disparado a apontar para cima. Faz cinco quilómetros assim. É o último voo de qualificação. No fim de uma grande inspecção, o piloto de testes tem que experimentar o aparelho antes de o devolver à esquadra.
Momentos depois, ouvem-se uns tiros ao longe. Volta e meia, sem horário certo, são disparadas munições para afugentar os pássaros. Estão de saída dois F16 para treinar combate ar-ar. Dura cerca de uma hora o voo.
À uma da tarde, uma dezena de pilotos assiste a um briefing em inglês. Tem que ser sempre em inglês. O sargento Paulo Areia está a dar informações de combate sobre a Operação Diana. Os "bad guys" ameaçam contaminar os reservatórios de água de um país amigo por agente químico que é "an anti-viagra", explica. Ninguém ri. A missão de quatro pilotos é proteger com os seus F16 os Aviocar que vão transportar pára-quedistas. Os inimigos também entram no jogo. Dois F16 têm que se fazer passar por Mig - o inimigo continua a ser sempre o Mig.
Se alguma coisa corre mal, os pilotos já sabem: podem puxar a alavanca amarela e em dois segundos estão a cair de pára-quedas. Desde 1994, os F16 tem só uma baixa no seu currículo: um acidente mortal em 2002.

Ajuda israelitaA missão é cumprida com êxito. Quem o garante é o sistema ACMI (Air Combat Mission Interface), uma aplicação informática que é uma espécie de caixa negra da missão, "the state of art", nas palavras do segundo-comandante da esquadra, o major João Gonçalves. "Não é verdade que o que vem para cá é material velho e que os outros não querem. Fomos os primeiros a usá-lo na Europa", diz. O ACMI grava tudo o que os pilotos fazem no ar e depois estes conferem, no debriefing, os erros. O equipamento foi comprado em 2001 a uma empresa israelita. "São dos melhores em guerra electrónica e equipamentos militares", confirma.
É assim o dia-a-dia em Monte Real. Dois F16 estão em estado de prontidão 24 horas por dia, em caso de emergência. Os outros são testados em exercícios. Os pilotos têm que manter as suas qualificações de voo e os aparelhos têm que estar aptos a participar em qualquer missão, uma vez que pertencem também à Reaction Force da NATO.
"O F16 faz o que quisermos, se quisermos que voe como um avião da TAP, ele voa. Só não temos hospedeira e cafezinho", explica, com um sorriso, o major João Gonçalves, que horas antes tinha terminado o seu turno de 24 horas, em estado de prontidão. O F16 é um avião de combate e as suas missões variam: pode fazer policiamento, bem como luta aérea e ataque ao solo.
O comandante da base, coronel João Cordeiro, garante que, "na capacidade operacional, não houve corte quase nenhum" no orçamento. Recusa a classificação de elite. "Não somos privilegiados, este é o core business de qualquer força aérea", justifica.

Vizinhos barulhentosA base veio mudar a vida da pacata localidade de Monte Real, conhecida pelas suas termas. Os pilotos têm cuidado para não sobrevoar essa zona, mas é impossível não fazer barulho com um avião supersónico.
O tenente-coronel Mário Barreto diz que "o ruído é um custo a pagar para dormirem todos mais descansados, sabendo que têm alguém que os defende". Dia 2 de Julho é o dia da base e os militares oferecem um doce aos vizinhos para compensá-los: passeios de Aviocar durante todo o dia.
A Força Aérea tem muitas visitas, durante todo o ano, à base. E o interesse dos jovens vai-se revelando. "Os miúdos vêm cá e dizem "isto é muito giro, mas diga-me lá, quanto é que você ganha?" Eu vim ser piloto porque queria ser piloto, eu não sabia quanto é que ia ganhar", conta João Gonçalves.

Gatinhos e falcõezinhosÀ entrada da esquadra 201, a dos Falcões, o lema é "Guerra ou paz, tanto nos faz". "Ninguém mais do que nós não quer a guerra. Nós sabemos a consequência daquilo que podemos ter que fazer. O "tanto nos faz" significa a nossa disponibilidade permanente", apressa-se a explicar João Gonçalves.
Se a vida de militar obedece a muitas regras e regulamentos, também se faz com humor. Em Monte Real, a competição é entre os "falcõezinhos" e os "gatinhos" (Jaguares), os pilotos da primeira esquadra e os da segunda, que vieram em Novembro de Beja para Leiria.
Os Falcões têm um regulamento interno, com rituais de entronização e tudo. "Quando um piloto voa pela primeira vez, o instrutor dá-lhe um banho com um carro de bombeiros, por isso, é um banho a sério", conta, a título de exemplo, um dos Falcões. O livrinho com as normas todas é secreto.
O major João Gonçalves diz que para se ser piloto "tem que haver uma componente muito forte e de serviço à vocação e tem que se gostar de tradições, isso é um elemento agregador".
O filme Top Gun, por exemplo, continua a ser "uma referência". "Mas sabe o que foi o Top Gun? Foi um filme publicitário para recrutar pilotos para a Marinha norte-americana. Eles também tinham e têm falta de pilotos, não é só cá", explica.

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