Do ideólogo arrependido à jihad das mulheres

O principal teórico diz que afinal é proibido matar. Moussaoui nasceu em França e quis ser o "20.º suicida". Zarqawi teve uma vida curta, mas o seu mito perdura. As mulheres são a última face da "rede"

O filósofo da guerra santa
Sayyd Iman al-Sharif, mais conhecido como dr. Fadl, conheceu o seu compatriota Ayman al-Zawahiri quando os dois estudavam Medicina no Cairo, em 1968. Uniram-se num grupo islamista local, Al-Jihad, zangaram-se e voltaram a reunir-se em Peshawar, onde trabalharam num hospital do Crescente Vermelho e Fadl se tornou o consultor de jurisprudência preferidos dos jihadistas que por ali passavam, a caminho do Afeganistão.
Em 1988, Fadl assina o seu primeiro manifesto, Princípios básicos para a Preparação da Jihad, que rapidamente se torna um dos textos mais importantes do treino jihadista. Nesse mesmo ano, Fadl e Zawahiri participam numa reunião de líderes da jihad. Com eles estava o mais jovem Osama bin Laden, muito rico e com um plano traçado: formar um exército pan-árabe que perseguisse os soviéticos na Ásia Central e derrubasse o Governo do Sul do Iémen, marxista. O que nasceu do encontro dos três foi a Al-Qaeda. Osama trouxe a riqueza, Zawahiri a experiência de uma vida de militância na jihad egípcia, e Fadl a legitimação filosófica.
Na sua segunda obra, o Compêndio para seguir o conhecimento divino, Fadl reclama que os jihadistas podem declarar outros muçulmanos takfir, ou apóstatas, e têm o direito de os matar. Hoje é um arrependido: declarou que os muçulmanos "estão proibidos de cometer agressões, mesmo se os inimigos do islão o façam". Muitos consideram que, apesar de Fadl estar retirado, não se pode desvalorizar a renúncia do homem cujos textos continuam a ser usadas para justificar a jihad. Outros lembram que na fase da jihad global, onde a Internet conta mais do que os verdadeiros estudiosos, Fadl já conta pouco.

O francês imigrante
Aicha el-Wafi nasceu em Marrocos, mas sente-se francesa. Os filhos nasceram em França mas não se sentiam de lugar nenhum, contou ao PÚBLICO quando o seu livro Perdi o meu filho foi publicado em Portugal, no ano passado.
Um dos seus filhos é Zacarias Moussaoui, condenado em 2006 a prisão perpétua por conspiração para matar americanos no dia 11 de Setembro. Moussaoui foi preso em Agosto de 2001, mas garantiu que se não estivesse detido teria seria o "20.º suicida".
Wafi é laica e escolheu que o islão não seria uma presença na vida dos filhos, mas eles acabaram por descobrir um islão diferente do seu, "que dá direitos inaceitáveis aos homens e que diz que as mulheres não têm direitos". A França também não ajudou: quando os filhos chegaram ao liceu, o país já não era o mesmo que a recebera, "quando não havia desemprego nem racismo". Eles é que são franceses, "mas todos os trataram como diferentes".
Marc Sageman, autor de Jihad sem Líderes, defende que hoje a maior ameaça terrorista vem de uma nova geração de jovens pouco instruídos, membros de famílias de imigrantes laicas, que já nasceram e se radicalizaram no Ocidente, principalmente na Europa. Muitos, diz, são vítimas de discriminação, em países com taxas de desemprego elevadas. Moussaoui encaixa no perfil de Sageman e, como os que fizeram o 7 de Julho de Londres, foi à procura dos seus líderes. Primeiro em Londres e depois no Afeganistão. Foi na Al-Qaeda que os encontrou.

O operacional impiedoso

Abu Mussab al-Zarqawi teve uma ascensão fulminante: de quase desconhecido chegou em poucos anos a líder da Al-Qaeda no Iraque. Morreu pouco depois, em 2006, debaixo de bombas norte-americanas. Nasceu em Zarqa, na Jordânia, e desde cedo quis derrubar a monarquia em nome da "nação islâmica". Foi condenado à morte, esteve preso e foi amnistiado. Em 2003, os EUA apresentaram o seu nome como a prova das ligações de Saddam Hussein à Al-Qaeda. Na realidade, só em 2004 escreveu a Bin Laden a propor uma união de esforços contra "os inimigos do islão".
O jordano acabou por se tornar o rosto principal da fase iraquiana da jihad global. Muitos vão lembrá-lo pela extrema brutalidade e pelo assassínio de muçulmanos - declarou uma sentença de morte aos xiitas.
Chegou a fazer escola: no Afeganistão surgiram vídeos com decapitações, à Zarqawi, e os serviços secretos alemães disseram que se tornou um exemplo para os extremistas na Europa. Mas a maioria acredita que acabou por fazer mais mal do que bem à sua causa. "O seu nível de brutalidade não serviu os interesses da Al-Qaeda, nem no Iraque nem fora do país. Bin Laden tentou controlá-lo mas falhou", disse ao PÚBLICO Steve Biddle, do Council on Foreign Relations. Para o analista do think tank de Washington, "esse fracasso teve um papel fundamental na deserção dos sunitas iraquianos" e no enfraquecimento da Al-Qaeda no país.

A suicida e a neurocientista
Quando Muriel Degauque, uma belga de 38 anos convertida ao islão, se fez explodir no Iraque, em 2005, o martírio no feminino ainda era uma novidade no país. E até então não havia registo de nenhuma bombista suicida europeia. Hoje, as suicidas estão a aumentar no Iraque (23 só este ano), ao mesmo tempo que os homens parecem escassear.
O recrutamento de mulheres suicidas faz sentido no Iraque, porque não é fácil revistar mulheres. Os europeus temem que a táctica se esteja a disseminar por isso mesmo: se à partida é mais difícil identificar uma mulher, uma europeia dificilmente levantará suspeitas em muitos alvos potenciais.
Não estão em causa apenas potenciais suicidas. Responsáveis europeus dizem que estão a ser vigiadas dezenas de mulheres envolvidas em logística e acções de propaganda. A semana passada, Aafia Siddiqui foi levada do Afeganistão para Nova Iorque e acusada de matar militares americanos. O FBI acredita que esta paquistanesa, formada no MIT, é a mulher que mais longe chegou na estrutura de comando da Al-Qaeda, onde terá desempenhado um papel importante no programa de armas químicas e biológicas.
Sinal de que nem todos na Al-Qaeda conseguem conjugar a doutrina radical que professam com a aceitação de mulheres na jihad, há alguns anos um líder do grupo ordenou a Siddiqui que engravidasse, contou um ex-agente da CIA ao Los Angeles Times. "Disseram-lhe que a melhor coisa que podia fazer para a Al-Qaeda era começar a gerar pequenos jihadistas. Ficou furiosa; ela sabe mais destas coisas [armas de destruição maciça] do que praticamente qualquer pessoa na organização."

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