Aproximação de católicos e ortodoxos é prioridade da viagem de Bento XVI

Depois de quase um milénio de separações, cresce o diálogo entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa. Mas ainda há obstáculos a superar, com Moscovo a criar novas dificuldades. Por António Marujo

O objectivo número um da viagem do Papa Bento XVI à Turquia é a aproximação com a Igreja Ortodoxa, da qual o patriarca Bartolomeu I é o primus inter pares. Uma declaração comum será assinada pelos dois líderes religiosos no dia 30, quinta-feira, naquele que será mais um passo na aproximação mútua de duas igrejas, separadas formalmente desde 1054 - há quase mil anos. Desde o início do seu pontificado, Bento XVI elegeu como prioridade a aproximação às outras confissões cristãs. O diálogo com os ortodoxos está mais facilitado do que com os protestantes, com os quais há diferenças mais substanciais. A viagem "terá um grande significado para o diálogo entre a Igreja Católica e a ortodoxia", afirmou o secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone.
A viagem do Papa à Turquia começará por Ancara, a capital política e passará ainda por Éfeso, lugar onde a tradição conta que teria morrido a mãe de Jesus. Quinta e sexta o Papa estará em Istambul - onde se encontrará com o patriarca, que mantém o título do nome da antiga capital do Império do Oriente.
O encontro entre ambos os líderes - as duas figuras mais simbólicas do cristianismo - é "profundamente simbólico", afirmou, citado pela Reuters, Thomas Fitzgerald, deão da Escola de Teologia Ortodoxa Grega da Santa Cruz, em Brooklyn, Massachusetts (Estados Unidos).
Líder espiritual dos perto de 200 milhões de ortodoxos do mundo inteiro, Bartolomeu convidou o papa para aquela que é a festa mais importante do patriarcado, a festa de Santo André. De acordo com a tradição, foi este discípulo, um dos mais doze apóstolos seguidores de Jesus, o primeiro a anunciar o evangelho na cidade.
Mesmo se é simbolicamente importante, não se espera que o encontro traga novidades importantes ao processo de aproximação mútua. A divergência maior - o primado do Papa - está longe, ainda, de ser resolvida. De qualquer maneira, a reconciliação deve ser construída passo a passo, metodicamente, como diz o arcebispo Demetrius, líder da Igreja Ortodoxa Grega nos Estados Unidos, em declarações à Reuters.
"Com uma tão longa história de separação, não se pode dar um grande salto. Tem que se fazer uma aproximação metódica, passo a passo. A visita do Papa é a expressão do desejo de unidade, mas não é fácil resolver algumas das questões que nos dividem", afirma Demetrius, que estará em Istambul durante estes dias.
A aproximação mútua deu-se nas últimas quatro décadas: o então Papa Paulo VI encontrou-se com o patriarca Atenágoras em 1964 e um ano depois levantaram as excomunhões mútuas que tinham sido proclamadas em 1054. Foi criado depois uma comissão mista de diálogo teológico, que reatou os seus trabalhos em Setembro, depois de seis anos de interrupção. Há dois anos, o Papa João Paulo II entregou aos ortodoxos as relíquias dos santos Gregório e João Crisóstomo, duas das mais importantes fugiras do cristianismo oriental. As relíquias tinham sido trazidas para Roma pelos cruzados em 1204.
Apesar da aproximação, a conversa tem sido mais difícil com o patriarcado de Moscovo: o patriarca Alexei II, que busca também um protagonismo maior entre os seus pares da Igreja Ortodoxa, tem criticado o facto de o Vaticano nomear bispos católicos para o país, criando uma estrutura que os ortodoxos russos vêem como proselitista.
O caminho da reconciliação com os ortodoxos passa necessariamente por Moscovo a "terceira Roma", como já foi conhecida. E a hipótese de um encontro entre o Papa e Alexei, sucessivamente adiada com João Paulo II, ganhou novo fôlego com Bento XVI. Na quinta-feira, o metropolita Kyril, do patriarcado de Moscovo, já admitia como provável que tal acontecesse...

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