A defesa dos direitos de autor é uma guerra perdida?

A multiplicação de cópias à margem da lei ou a pirataria na net, entre outras "facilidades", faz voar dos cofres da Sociedade Portuguesa de Autores dezenas de milhões de euros todos os anos

"Estamos a viver o tempo do culto e da entronização do consumidor, que é também eleitor. O autor é minoritário. E o poder político entende que não deve ser dificultado o acesso (às obras musicais, literárias e outras), porque quem vota em massa é o consumidor, não é o autor". José Jorge Letria, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), explica deste modo a "dinâmica muito forte" e "muito difícil de parar" do livre acesso às obras dos criadores, patente sobretudo na Internet. O problema é que, se, "por um lado, esta atitude é simpática porque corporiza uma certa democratização dos bens culturais", por outro lado "dificulta a profissionalização de jovens criadores que querem que o seu futuro passe por uma justa remuneração do seu trabalho", explica o responsável da SPA.O problema torna-se ainda mais complexo e difícil de contrariar, quando são os próprios criadores que, tantas vezes, colocam como principal objectivo da sua actividade, não a cobrança de direitos sobre as suas criações, mas a divulgação das obras junto de um público alargado, sem preocupações de retorno financeiro. Recorde-se que o próprio Agostinho da Silva fez gala de prescindir dos direitos sobre os muitos livros que publicou. E, nas universidades norte-americanas, nasceu um movimento, os Creative Commons, entretanto alargado a outros países, que corporiza a ideia do livre acesso às obras (ver texto nestas páginas).
Com este tipo de atitudes, na perspectiva dos autores que não querem prescindir das suas remunerações, torna-se "muito difícil explicar" aos consumidores a importância de não fazer cópias-piratas ou downloads ilegais na net. E é por estas e por outras que a SPA vê diminuída aos seus proveitos anuais, que rondam hoje os 40 milhões de euros, uma fatia muito substancial por via de fugas de toda a ordem ao pagamento dos direitos dos seus representados.

Qualidade das obras em riscoAs consequências desta realidade parida pela globalização são, segundo alguns, pouco menos do que catastróficas. "Se isto continuar como está, na música, por exemplo, a produção tal como a conhecemos acaba, porque ninguém vai investir numa actividade cujo retorno se aproxima rapidamente do zero", avisa Eduardo Simões, director-geral da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP). Resultado: "A música não acaba, mas vamos regredir para a fase das bandas de garagem" e para a "mais do que provável estrangeirização", por "falta de produção nacional com qualidade técnica", remata o responsável da AFP. Trata-se da hipotética quebra geral da qualidade média da actividade criativa, provocada pelas dificuldades crescentes de profissionalização dos autores, já referida por Jorge Letria.
Mesmo Luís Silveira Rodrigues, jurista a trabalhar na Deco e, por isso, com uma natural inclinação para a defesa dos consumidores, admite que é preciso "combater a pirataria". Mas com métodos nem sempre coincidentes com os da SPA, tidos como demasiado inflexíveis: "Se fecharmos demasiado a malha contra a cópia [de obras originais], abriremos ainda mais o campo de acção das máfias", sustenta, defendendo que "é preciso sensibilizar as pessoas e, ao mesmo tempo, descer o preço dos produtos".
A luta contra o desrespeito generalizado pelos direitos de autor passaria, tanto na perspectiva da Deco como da SPA - e para além de uma atitude menos laxista do poder central, que se coloca por sistema e oportunisticamente ao lado dos consumidores -, por "acções pedagógicas" nas escolas, um caminho que já está a ser seguido na Alemanha e nos EUA. Mas a tarefa não é fácil. Da experiência da Deco decorre que "as pessoas têm uma grande incompreensão pelos direitos de autor", refere Silveira Rodrigues. Contra a opinião da Deco, Jorge Letria, da SPA, defende que "é preciso taxar na origem os meios técnicos que permitem a multiplicação das obras e os downloads ilegais", isto é, as fotocopiadoras, os computadores e toda a espécie de gravadores.

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