Nancy Pelosi, a "peso pluma" é uma "dama de ferro"

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Pelosi entre John Larson e Rosa DeLauro, festejando a aprovação larry dowming/reuters

A primeira mulher speaker no Congresso conseguiu o que muitos diziam ser impossível: manobrar a indisciplinada bancada democrata

A liderança de Nancy Pelosi, a primeira mulher speaker do Congresso dos EUA, foi muitas vezes menorizada como "inconsequente", mas a aprovação da reforma do funcionamento do sistema de saúde fará da congressista liberal da Califórnia uma das legisladoras mais bem sucedidas na história daquele órgão legislativo.

Pelosi, de 69 anos, conseguiu aquilo que todos julgavam impossível: manobrar a diversa e indisciplinada bancada democrata no Congresso e conduzir o partido a uma vitória que será registada em todos os compêndios escolares.

Ela conseguiu convencer os "progressistas" que queriam incluir uma "opção pública" na proposta de reforma da saúde, os "conservadores fiscais" que insistiam na redução do défice, o grupo "pró-vida" que exigia garantias de não-financiamento de abortos e os defensores do "direito à escolha" que não abdicavam da sua conquista, que os custos políticos de não votar a lei seriam superiores à relativa segurança da inacção.

Por detrás do sorriso levemente "plastificado", do penteado sempre impecável e dos fatos em tons pastel, que a definem quase como uma caricatura, revelou-se uma estratega calculista, dura e intransigente. Os insiders de Washington atribuem-lhe a principal responsabilidade pela ressureição da reforma, que entrou em estado de coma após os democratas perderem a supermaioria de 60 votos no Senado. Nancy terá ligado ao desanimado Presidente Obama assegurando-o de que podia contar com ela para concluir o processo legislativo. Mesmo que isso implicasse (como aconteceu), que a Câmara de Representantes tomasse como sua a proposta de reforma do Senado, que era francamente impopular junto dos políticos da câmara baixa. Incansável, Pelosi telefonou, conversou, almoçou, escreveu, perseguiu todos os membros da bancada democrata que lhe interessavam. Garantiu que aqueles que apoiassem a reforma teriam as costas quentes no que diz respeito ao financiamento das respectivas campanhas eleitorais. E fez todos os acordos possíveis com os congressistas que estavam indecisos - incluindo, segundo fontes citadas pela imprensa sob anonimato, assegurar-lhes que terão bons empregos à sua espera no caso do voto lhes custar a reeleição.

Na hora da vitória, ninguém poupou elogios à speaker, nem mesmo ela própria. Mas, dizem os seus amigos e companheiros de partido, a principal satisfação de Nancy nesse momento tinha a ver com a sua genuína crença de que o acesso à saúde é "um direito e não um privilégio", como sublinhou no seu discurso em plenário.

Nancy demorou para iniciar-se na política activa, mas as negociações de bastidores e as campanhas públicas nunca foram estranhas para ela. Filha de Thomas D"Alessandro, um dos nomes mais importantes da política de Baltimore e do estado do Maryland, aprendeu desde cedo a seduzir apoiantes, forjar alianças, combater adversários e angariar dinheiro. Mas foi só na Califórnia, para onde se mudou após casar-se com o milionário Paul Pelosi, que decidiu trilhar o caminho antes seguido pelo pai. Já tinha quase 50 anos quando pela primeira vez se candidatou ao Congresso por um dos distritos mais liberais de San Francisco, um lugar que mantém desde 1987.

No Congresso, foi subindo na hierarquia até se tornar a líder da minoria democrata, em 2002. A sua ascensão não se fez sem polémica, e quando chegou ao topo muitos criticaram o partido por apostar numa política que seria sempre um "peso pluma". Quatro anos depois, Pelosi entrava na história ao tornar-se a primeira mulher speaker do Congresso. No domingo, como sublinhou com evidente orgulho, pode inscrever o seu nome num pacote legislativo que rivaliza com a criação da Segurança Social ou com o fim da segregação social em termos dos seus efeitos sobre a sociedade americana.

"O desenrolar deste processo, consagrou Nancy Pelosi como a mais forte e eficaz speaker do Congresso dos tempos modernos", diz o especialista em temas do Congresso da Brookings Institution, Thomas Mann. Norman Ornstein, analista do conservador American Enterprise Institute, diz que o trabalho de Pelosi foi "extraordinário". "Por causa da sua capacidade para manter as suas tropas unidas, este Congresso poderá acabar por ser um dos mais produtivos de sempre nos EUA", considera.

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