Bandeiras ainda resistem à espera do Mundial

Nos bairros mais típicos de Lisboa ainda se vêem muitas bandeiras que restaram do Euro 2004. Precisamente um ano, e numa altura em que Portugal está praticamente apurado para o Mundial, os símbolos prometem ficar. Por Mariana Gomes da Costa

"Porque é Portugal e sou portuguesa", justifica-se uma senhora que mantém na varanda a bandeira nacional, presa com molas da roupa vermelhas e amarelas, desde a época do Euro 2004. Nos bairros mais típicos de Lisboa - da Graça a Alfama e até mesmo em Campo de Ourique - a tradição continua a ser o que era. É por essas zonas que ainda se vêem muitas bandeiras, bandeirinhas e bandeirolas.Recordação de um tempo feliz, patriotismo, pedido do seleccionador nacional (Luiz Felipe Scolari) ou mera inércia, o facto é que os vestígios do Europeu de futebol do ano passado ainda são visíveis em Lisboa. E quem os expõe promete mantê-los. Pelo menos enquanto durarem.
Há precisamente um ano, vivia-se a euforia do Euro. Scolari pediu e os portugueses acederam: "Que o país se encha de bandeiras, para mostrar que estamos todos por Portugal", disse o seleccionador nos primeiros dias da competição, uma ideia entusiasticamente apoiada pelo Presidente da República, Jorge Sampaio. Não só as janelas, mas também os automóveis, as motos, as lojas, as escolas se encheram de estandartes, numa atitude de reconciliação com a bandeira nacional, como assinalou Marcelo Rebelo de Sousa.
Os taxistas "engalanaram" os seus carros com "bandeirolas, cachecóis, fitas e fitinhas", relembra um profissional da classe. "Ninguém nos pediu, fizemo-lo de livre vontade e ninguém nos agradeceu." Foi por se sentirem frustrados e muito decepcionados que rapidamente desenfeitaram os táxis depois da derrota contra a Grécia. Os enfeites alusivos desapareceram dos automóveis dos portugueses.
Após o triste desfecho do Europeu a que o país, deprimido e sombrio, entregou todas as esperanças, o Presidente da República apelou a que o fervor patriótico continuasse. Scolari também falou à população, solicitando a todas as pessoas que continuassem a apoiar a selecção e, como prova disso, que não tirassem as bandeiras das janelas até ao Mundial. Ficou a promessa de levar Portugal à Alemanha em 2006.
Pouco tempo depois, o técnico da equipa nacional garantia que os portugueses estavam a aderir ao pedido: "Das conversas que tenho tido com adeptos, muitos já me garantiram que só vão tirar a bandeira da janela depois de a classificação estar garantida em 2006", citava-o o jornal A Bola.

As bandeiras que ficaram Da "bandeira única" em que o país se transformou naquela altura restaram apenas as cinzas. Mas quem prestar atenção e olhar para cima quando passeia na rua verá que muitas janelas exibem ainda a marca de Portugal. Ao lado da decoração florida de algumas varandas, os estandartes que ficaram do tempo do Euro marcam posição. Velhos e gastos, foram sendo "comidos" pela chuva, pelo sol e pelo vento. Resistem, sacudidos pela ventania, muitos irremediavelmente enrolados. Pelas ruelas de Alfama, as muitas bandeiras resistentes estão presas nos varões, confundindo-se com a roupa estendida.
Inércia e patriotismo - são estas as as principais motivações de quem mantém a bandeira nacional à vista, nas casas particulares, nos cafés, nas lojas, nos vários estabelecimentos de comércio. Pelo menos "enquanto não rasgar" ou "até apodrecerem, ficam à janela", garantem os lisboetas que as exibem. Por opção, claro. Mas também por preguiça, por, ao longo dos meses, se terem esquecido delas. Por indiferença: "Mais vale ali do que arrumada num canto qualquer."
Manifesta-se o amor à pátria: "Deixei porque sou patriota." A estes, o pedido de Scolari pouco ou nada diz, mas há quem assuma preservar o emblema para fazer a vontade ao treinador: "Pediram para deixar ficar e nós deixámos", recorda uma campouriquense, numa sincera demonstração de confiança para com o brasileiro.
Os comerciantes utilizam o símbolo nacional para os mais curiosos efeitos. Um café perto da Graça exibe um estandarte que dificilmente passa despercebido aos transeuntes. Colado onde antes havia um cortinado, ficou "porque faz sombra", confessa a senhora que o mantém. Noutro estabelecimento, na baixa de Alfama, duas grandes bandeiras dão as boas-vindas a quem entra. Uma delas cobre quase toda a porta de entrada. Colocada na altura do Euro, foi deixada ficar "porque combina com a cor da porta", mostra o proprietário, apontando para a conjugação cromática da porta com a da bandeira em cima.
Num cenário outrora recheado de orgulhosas bandeiras, "ainda há muitas por aí", garante quem tem a casa cheia delas. E a bandeira nacional perdura, como cartão de visita para quem passa.
O fulgor de 2004 pode aumentar ainda mais em 2006, afirma Scolari, em entrevista ao Jornal de Notícias e à TSF. E assegura ter algumas ideias preparadas: "Para que a gente tenha, como teve no Euro, esse ambiente maravilhoso." Voltarão as bandeiras retiradas a colorir de orgulho as janelas dos portugueses?

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