Sasportes suspende subsídios

O ministro da Cultura, José Sasportes, invocou ontem um fundamento da Constituição "a audiência prévia" dos candidatos para revogar os subsídios atribuídos pelo Instituto Português das Artes do Espectáculo. Com esta medida, o governante quis travar o processo de contestação e possíveis acções judiciais de alguns grupos. Agora, todos os concorrentes têm dez dias para recorrer. Mas há quem pense que, perante o número de candidaturas, é quase impossível pôr em prática a lei que regulamenta a audiência prévia.

O ministro da Cultura, José Sasportes, decidiu ontem revogar a homologação dos concursos nas áreas do teatro, da dança e da música e dos projectos pluridisciplinares promovidos no final do ano passado pelo Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE). Sasportes alegou, em comunicado, que os concursos estavam feridos de falta de "transparência" e de "rigor" pelo não cumprimento da formalidade que prevê que os júris tenham uma audiência prévia com os candidatos. Abrindo um precedente nos concursos do IPAE, Sasportes evocou "um fundamento último na Constituição: 'a audiência prévia dos interessados,", e o Código do Procedimento Administrativo, que estabelece a "exigência" da consulta dos candidatos (ver texto em baixo).Os 519 candidatos ao subsídio para 2001/2002 têm agora dez dias para requerer uma audiência com o júri que poderá ou não alterar a decisão inicial. Só após este trâmite processual é que os júris enviarão ao ministro da Cultura as propostas de listas dos projectos seleccionados "acompanhados da interpretação que tiverem feito dos argumentos aduzidos". A palavra final caberá novamente a Sasportes que pode ou não homologar os concursos.Interrogado sobre o porquê desta decisão não ter sido tomada antes da publicação dos resultados do concurso do IPAE, o gabinete do ministro afirmou que Sasportes - que durante todo o dia de ontem se revelou indisponível para falar com o PÚBLICO - com o "avolumar dos protestos, solicitou as audiências prévias". "Foi informado que não havia. Face a isso, deparou-se com a ilegalidade." Sem resposta ficou a questão sobre se existe a possibilidade das companhias que já receberam subsídio poderem vir a perdê-lo. Apesar desta decisão implicar atrasos na atribuição dos apoios, Sasportes afirmou à Lusa ser preferível este inconveniente à "incorrecção do processo". Mas o atraso nos apoios evita também que o Ministério da Cultura venha a enfrentar inúmeros processos em tribunal de cada um dos grupos que tem vindo a contestar os resultados dos concursos (ver textos na página 32). "Tendo sido um concurso muito contestado, é natural que eu queira a máxima transparência para que tudo seja claro nas decisões que serão tomadas", sublinhou Sasportes à Lusa.Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de Ana Marín, directora do IPAE, informou que o instituto "não tece comentários sobre o assunto".Informado ontem sobre a anulação dos concursos do IPAE, Daniel Tércio, membro do júri das áreas da dança e de projectos pluridisciplinares, manifestou-se "perplexo" com a notícia, "partindo do princípio que haverá uma audição pública". "As audições são certamente úteis mas estamos a falar de centenas de candidaturas. Isto significa um prolongamento do tempo de avaliação que retira oportunidade ao próprio concurso". Daniel Tércio, que estima em 200 horas o tempo de trabalho como júri, acrescenta: "Se há um júri independente do IPAE há uma avaliação transparente com base num conjunto de critérios. Há pessoas que não ficam satisfeitas e têm sempre direito a recorrer das decisões e em qualquer circunstância. O Código do Procedimento Administrativo prevê também que as audiências podem ser dispensadas no caso das candidaturas serem excessivas, como é o caso, para operacionalização do processo." Já José Manuel Mendes, um dos membros do júri dos programas e projectos do teatro, recusou-se a comentar a decisão do ministro, alegando que compete ao IPAE fazê-lo.Desde final de Novembro, data de publicação dos resultados pelo IPAE - que decidiu pela primeira vez, atribuir subsídios quadrianuais no teatro (um total de 1,6 milhões de contos) e na dança (totalizando 350 mil contos) -, que grupos e projectos de teatro se vêm juntando para exigir a anulação do concurso. São mais de 30 candidatos a considerar que o concurso "decorreu de forma que consubstancia atropelos à transparência, seriedade e rigor de que se devem revistir os actos de administração pública", afirmou à Lusa José Leitão da Art'Imagem - um dos membros deste grupo onde estão incluídos o Teatro do Noroeste, Visões Úteis, Teatro Experimental do Porto, Trigo Limpo, Companhia do Chiado, de La Féria, Palco Oriental, A Barraca, entre outros. Entretanto, algumas companhias exigiram a demissão da direcção do IPAE. É o caso do Teatro do Tejo, do Chiado, do Teatro Experimental do Porto ou Filipe La Feria. Amanhã, às 15h, os representantes das três dezenas de companhias teatrais vão reunir-se na sede do Art'Imagem, no Porto, para anunciar uma posição conjunta sobre a decisão do ministro.

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