O rapaz X está um senhor

Douglas Coupland é ainda o porta-voz dos jovens de vinte e tal anos sem carreira e dos trintões rendidos ao consumismo. Mas Coupland está mais velho. Aos 38 anos, mais dez desde a paradigmática "Geração X", o escritor canadiano vai lançar "Miss Wyoming" - uma fábula sobre um produtor de cinema decadente e uma ex-estrela da televisão vencedora de um concurso de beleza na infância.

Douglas Coupland não se limitou a inventar um termo para definir uma geração com o seu romance "Geração X" (ed. Teorema), mas prosseguiu com outros, como "McJob" ("McTrabalho", designação para um emprego mal pago, sem prestígio nem futuro) e "sucessofobia" (receio de que se se for bem sucedido, as necessidades pessoais serão relegadas para segundo plano), para definir as perspectivas desmoralisadoras dos jovens na casa dos vinte e tal anos.Mas Coupland está mais velho. Aos 38 anos, mais dez desde a sua paradigmática obra de estreia, o escritor canadiano tem um agente ao seu serviço e um novo livro, "Miss Wyoming", a publicar pela Random House, no Canadá (e pela Teorema, em Abril). A sua camisa desabotoada deixa entrever pêlos grisalhos e os tufos de cabelo castanho que lhe cobrem a cabeça começam a diminuir. Apesar de estar a caminho dos 40 e de ter vários livros na forja, Douglas Coupland é ainda visto como o porta-voz dos tais jovens de vinte e tal anos sem carreira e dos trintões rendidos ao consumismo. Ele recebe o epíteto com grande dose de malícia. "Não se consegue controlar a maneira como as pessoas recebem aquilo que fazemos", afirmou numa entrevista, admitindo que muitos conhecem "Geração X" sem saberem nada do autor."É um cartão-de-visita. O livro foi escrito numa altura em que a economia andava pelas ruas da amargura, e por isso muito do diálogo sobre identidade ficou desajeitadamente colado ao futuro e às expectativas financeiras", disse."Mas eu não sou um demógrafo, não é esse o meu trabalho. Aborreço-me imenso quando as pessoas vêm ter comigo e dizem: 'Nós estivemos nas manifestações em Berkeley, tomámos drogas, fizemos isto e aquilo.' O que é isto de 'nós'? Eu não tive nada a ver com isso. Atiraram-me com essa coisa de ser porta-voz, o que é inteiramente contra o meu conceito de 'uma pessoa, uma voz'. Nunca quis nada disso." Mas estejam descansados. Coupland nunca virou as costas a almas sem rumo e a busca de espiritualidade e ligações afectivas, humanas estão presentes no seu último romance. "Miss Wyoming" é uma fábula sobre um produtor de cinema decadente, John Johnson, e uma ex-estrela da televisão e vencedora de um concurso de beleza na infância, Susan Colgate. A certa altura nas suas vidas, quando a decadência e a fama parecem pertencer ao passado, ambos decidem desaparecer. No livro, as duas personagens são almas perdidas à procura de amor na paisagem de Los Angeles, obcecada com o estrelato, até que fatalmente se encontram. Nascido numa base canadiana da NATO em Badensollingen, na Alemanha, o sussurrante Coupland passa a maior parte do tempo no isolamento da sua casa em Vancouver, na costa oeste do Canadá, onde viveu quase sempre. Apesar da frenética digressão de promoção de "Miss Wyoming" pela América do Norte, o escritor parece ter perdido um pouco da sua voz mas preservou a sua típica vivacidade de espírito.Ao fim de várias entrevistas, acedeu a falar, numa conversa que cobriu tudo, desde o suicídio de Kurt Cobain, líder dos Nirvana, aos motivos por que gostaria de reincarnar num ganso do Canadá."São umas aves incrivelmente livres. Vão onde querem ir. Pouca coisa lhes mete medo e não se deixam enganar facilmente. E são canadianas. Quanto mais vejo do mundo, mais gosto do Canadá", explicou."Pode-se ir a vários lugares que se julgam paradisíacos quando, na realidade, são ninhos de ratos com cromo."Coupland diz-se satisfeito com a fama trazida por "Geração X" junto do público mais jovem porque as pessoas têm pouca orientação quando têm vinte e tal anos. "É uma idade horrível. Gostava que alguém me tivesse avisado. Preparamos as pessoas para resolver uma equação matemática mas ninguém ensina como lidar com a solidão e a preocupação", disse. "Gostava de dizer às pessoas com vinte e tal anos para não se preocuparem tanto."É isso que ele faz com os seus livros que cada vez mais apelam aos leitores mais novos - como ficou provado pelo público que acorreu a uma sessão de leitura no Teatro Glen Gould, em Toronto."Há miúdos que se identificam com os meus livros, que dizem respeito à minha vida, a Vancouver - o facto de haver pessoas fora do meu círculo de amigos que se conseguem relacionar com aquilo surpreende-me", adianta Coupland. "Por outro lado, parto sempre do princípio de que o livro que estou a escrever será aquele que ninguém irá entender." *jornalista da Reuters

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