O gorila e a liceal e as famílias (in)felizes

O terceiro grande filme do Indie 2009 chama-se Breathless e resiste às armadilhas que afogam outras entradas competitivas

a Os próximos dias da competição do Indie são exemplares das armadilhas em que muito do cinema independente actual cai: de um lado, o formalismo em detrimento da narrativa; do outro, uma narrativa formulaica que abafa o que há de estimulante. E, pelo meio, descobre-se o terceiro grande filme da competição 2009. Comecemos por esse: Breathless, do sul-coreano Yang Ik-June, começa como uma espécie de comédia negra antes de se revelar lentamente como um mosaico de personagens interligadas a caminho de uma tragédia surda. Curiosamente, Breathless tem em comum com The Happiest Girl in the World e Ballast o facto de falar da violência (real ou psicológica) das relações familiares, de nos mostrar como por vezes as famílias que escolhemos são mais fortes do que os laços do sangue. Aqui, a família é a raiz dos problemas de Sang-hoon, "gorila" de um gang sul-coreano que ganha a vida a espancar manifestantes e a receber dívidas - e que se deixa seduzir por uma liceal que não vai em cantigas e lhe responde na mesma medida.
O que se segue podia ser (mas não é) uma via-sacra, faz tangentes ao percurso de redenção, mas é sobretudo um tour-de-force criativo de Yang, que para além de interpretar Sang-Hoon é igualmente realizador (estreante), argumentista e produtor. Breathless é demasiado longo, abusa em excesso das rimas e convenções narrativas do filme-mosaico, mas isso é de somenos perante a verdade emocional desta história de gente presa num ciclo vicioso e fatalista de violência.
A família é também o tema de dois filmes que se deixam enredar nas malhas de uma narrativa progressivamente menos interessante. Aguas Verdes, estreia na longa-metragem do argentino Mariano de Rosa, é uma negríssima comédia do desconforto à volta das férias do inferno de um assistente social. Sentindo a sua postura de homem de casa ameaçada por um motard charmoso por quem a mulher e os filhos travam amizade, Juan tomba numa espiral paranóica bem sustentada pelo excelente Alejandro Fiore. De Rosa gere bem o ambiente claustrofóbico da estância balnear one tudo se passa e termina o filme numa perturbante nota de ambiguidade, mas perde-se demasiado em redundâncias e repetições e não consegue que a irrisão estilizada do seu olhar compense as falhas.
Já Prince of Broadway, segunda longa do americano Sean Baker, é mais interessante pela captação da energia das ruas de Nova Iorque e do ambiente de "economia paralela" em que tudo se passa do que por uma narrativa demasiado próxima da fábula hollywoodiana. Baker acompanha um imigrante ilegal que vende na rua e que dá por si pai relutante quando uma ex-namorada lhe deposita nos braços um menino que diz ser seu filho e desaparece sem dar rasto - o que se segue é um filme feel good onde a inteligência certeira do olhar social e a naturalidade da improvisação do elenco se dilui num "cartão de visita" pensado claramente para abrir as portas da "primeira liga".
Sobra o formalista Jalainur, segunda longa do chinês Zhao Ye, espécie de poema filmado com actores não profissionais, acompanhando os últimos dias de trabalho de um condutor de comboios numa mina a céu aberto na Mongólia. É uma ficção solta e lânguida que anda aos ziguezagues, requiem pelo fim de um mundo que procura recuperar, de modo quase documental, os ritmos de um tempo perdido. Formalmente fulgurante, a beleza extremamente trabalhada de Jalainur acaba por afogar a sua narrativa ténue numa sucessão de quadros deslumbrantes mas estéreis.

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