O futebol (também) é uma forma de arte

É um lugar comum ler ou ouvir utilizar a palavra arte associada ao futebol. Designa, na maioria das vezes, a superior técnica do jogador, a beleza coreográfica de um movimento, o rendilhado ou a eficácia de uma jogada, a emoção do remate e do golo. Mas poderá ser o futebol considerado uma Arte, no sentido maiúsculo do termo?As opiniões são praticamente unânimes na resposta afirmativa, quando se trata de aceitar que o futebol, enquanto espectáculo, é sempre proporcionador de fortes emoções, a que não são estranhas uma dimensão estética. "Tal como a arte, também o futebol ergue uma representação estilizada e artística da vida", nota o escritor Álvaro Magalhães, autor do interessante estudo antropológico "História Natural do Futebol" (ed. Assírio & Alvim), recentemente editado. O director do Instituto das Artes, Paulo Cunha e Silva, acrescenta que "o jogo é uma espécie de metáfora do Mundo: há agressividade, combate, luta, glória, aplauso, afecto, ódio...". Disso fala também António-Pedro Vasconcelos, ao realçar a natureza ficcional do jogo de futebol, "com tudo o que isso tem de drama, redenção, injustiça, sofrimento, suor e lágrimas, ou como diria Samuel Fuller, 'in a word, emotion'".O decorrer do Inglaterra - Portugal - e a emotiva sequência dos penaltis - é, aliás, o exemplo mais citado por todos os inquiridos pelo PÚBLICO (ver depoimentos abaixo). O realizador e também adepto e cronista de futebol (autor de "Porque É que as Mulheres Não Gostam de Futebol?", ed. Oficina do Livro) viu nesse jogo "o exemplo perfeito de construção dramática". E acrescenta que, "em momentos como este, o futebol é uma das grandes formas da arte dramática", comparável à melhor das peças, das óperas, ou dos filmes, desde "A Odisseia" de Homero, até a "O Gladiador", de Ridley Scott.O mesmo realce para este jogo de emoções e para a fruição estética que o futebol proporciona é dado por Rui Reininho. "É uma das Belas Artes, talvez tridimensional, próxima da escultura", diz o músico dos GNR. Um jogo tem "momentos de uma beleza estética fantástica, que associo à dança e ao teatro", corrobora Isabel Alves Costa, co-responsável do programa "Pontapé de Saída", com que a Culturporto, ao longo de várias semanas anteriores do início do Euro, abordou o futebol sob a perspectiva de diferentes disciplinas estéticas. E a bailarina e coreógrafa Clara Andermatt fala também da beleza e da emoção do jogo, que vê "como uma dança, uma coreografia". Para o fotógrafo Paulo Catrica, que tem feito do futebol tema do seu trabalho, "o futebol é a mais popular forma de arte do século XX. A menos conceptual, a mais imediata, a única que enche estádios, praças, cinemas, cafés, consome horas de conversa, de papel e de tinta, tamanha é capacidade de especulação". Esse mundo complexo - o público, as claques, a publicidade... - que envolve o jogo dá ao futebol "uma dimensão estética", nota o artista plástico João Pedro Vale (representado na exposição "Em Jogo", no Centro de Artes Visuais de Coimbra).A arte do futebol está, pois, também, no olhar daquele que o vê, "depende de quem vê", nota Paulo Cunha e Silva. Essa dimensão do olhar, para além da emoção estética, é realçada por Eduardo Prado Coelho: "É possível ver o futebol tanto como uma coreografia como algo ligado à celebração da inteligência do movimento". "O futebol, como o amor, será então um lugar em que nos encontramossingularmente num híbrido homem/animal, resultante do apetite sensível e darepresentação que ele suscita, tão antagónico por vezes como a cólera e apaixão. Arte, pois claro", resume Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero.A associação do futebol à arte não é, pois, um axioma. Prado Coelho chama a atenção para "a ausência de intencionalidade" que define a arte. E então se for visto pela perspectiva do adepto, lembra Manuel António Pina, entra mais "no domínio do patético do que do estético". "O futebol é outra coisa, tem a ver com o verdadeiro mais do que com o belo", nota o poeta.Investigando as raízes antropológicas do futebol, Álvaro Magalhães nota que "a visão do mundo que engendrou a arte também engendrou o jogo da bola", e que ambos possuem a mesma finalidade: "libertar o homem do labirinto conceptual e devolvê-lo ao natural". Mas, para o escritor, "a tal estética do jogo - os gestos, os movimentos - é meramente residual, e também bastante irrelevante, tendo em conta o verdadeiro objectivo do jogo". E Álvaro Magalhães termina parafraseando Artur Semedo: "Que se lixe a estética, o espectáculo. O que nós queremos é que Portugal ganhe".A final é hoje à tarde. Esperemos que seja Bela.

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