O filme de António, um rapaz de Lisboa

Jorge Silva Melo adaptou a peça de teatro "António, um Rapaz de Lisboa" ao cinema. A partir da história do espectáculo estreado em 1995, Silva Melo filmou durante quase dois meses pelas ruas da capital. As rodagens terminaram esta semana, e o filme, orçamentado em 180 mil contos, deverá estar concluído em Novembro. O actor Manuel Wiborg é António, um rapaz normal na Lisboa dos nossos dias.

"Agora está quase bom", diz Jorge Silva Melo a Lia Gama e Manuel Wiborg, os dois actores no cenário da filmagem de "António, um Rapaz de Lisboa". É uma frase que o realizador vai repetir várias vezes durante a filmagem desta cena, a única que falta para completar as rodagens da adaptação da sua peça de teatro com o mesmo nome. Durante sete semanas e dois dias, Silva Melo e equipa estiveram a filmar em Lisboa a história de António, um rapaz comum. O filme estará pronto em Novembro, não havendo ainda data prevista para a estreia. "Está quase bem", repete Silva Melo depois de mais um ensaio ainda com a câmara desligada. A cena decorre nas escadas da escola Voz do Operário. Manuel Wiborg, que interpreta António, sobe as escadas ao encontro do filho (Jonas Monteiro, sobrinho de Wiborg na vida real). Abraçam-se, aparecendo Lia Gama, mãe de António. Os dois conversam, António pede-lhe para aviar uma receita na farmácia, confessa que se esqueceu de ir a uma entrevista de emprego. "O António é um rapaz banal que ainda não chegou à idade adulta, e prolonga a sua adolescência para lá da idade biológica, tem uma sensação de incerteza, de indefinição", conta Silva Melo."A ideia nasceu em Bruxelas, de um quadro do século XVII de Van der Weiden, que retratava um rapaz [chamado António] de uns 26, 27 anos, com um futuro muito determinado. Notava-se na figura dele uma vontade de poder, uma grande ambição", diz o realizador. "O António de Lisboa teria de ser mais inseguro"."OK, corta, está quase bom, voltamos ao início por favor". Os três actores vão ter de fazer ainda mais um ensaio desta cena em que António pede de novo ajuda à mãe. "O António podia ser de outro sítio qualquer, mas eu sou de Lisboa e acho graça a certas situações desta cidade. A relação dele com a mãe, por exemplo, não era possível em Paris, talvez pudesse acontecer numa pequena cidade da província francesa".A cena decorre no Inverno, mas é filmada no calor tórrido do Verão. Já com a câmara ligada para gravar, os actores e os figurantes têm de se cobrir de pesadas roupas para o frio. "Eu é que escolhi esta profissão, é claro que é chato mas sempre dá para emagrecer", resigna-se Wiborg. O actor já havia sido António na produção teatral. "Pensei logo no Manuel Wiborg para fazer o António", diz o realizador. "António, um Rapaz de Lisboa" foi originalmente concebido para ser uma série de televisão em quatro episódios, "um para cada uma das estações do ano. Os episódios não teriam uma ordem determinada, não havia acontecimentos marcantes, como casamentos ou mortes".A série foi criada para a capital da cultura Lisboa 94, mas o projecto acabou por não ir em frente. Mas Jorge Silva Melo gostou "das personagens e de algumas das situações. Por isso, propôs a Yvette Centeno a adaptação para o teatro: "Fomos transformando o argumento na peça que estreou em 1995. Procurei ter no filme todos os actores da peça. Não consegui ter todos, e há também outras personagens novas que não entravam na peça".Finalmente, bate a claquete e começa a gravação, já com os figurantes em cena. Mas vão ser precisos vários "takes". No primeiro, "o final é uma grande confusão, Manuel". Os actores ensaiam ainda mais uma vez o diálogo. É obviamente muito diferente utilizar o mesmo texto para o teatro e para um filme. "A peça de teatro é muito marcada pela indefinição, volta-se atrás até no tempo verbal". Mas para além das diferenças entre meios, há outras alterações na passagem do teatro para o cinema. "A Lisboa de 1999 já é uma Lisboa muito diferente, em muito rápida transformação. Existem coisas antigas, daí que alguns cenas tenham sido filmadas num hospital velho e numa escola velha. Mas, por outro lado, há uma cena filmada numa estação de comboios que seria para fazer num eléctrico, mas eles quase que já saíram da vida urbana. Mas também não pus a quantidade de telemóveis que há nas ruas de Lisboa..."Outra mudança é numa das personagens-chave da história, o filho de António, que na peça é ainda bebé e não aparece senão nas falas das restantes personagens. No filme, já tem oito anos e é interpretado por Jonas Monteiro. "Jonas, fala bem alto, para se ouvir no Japão", pede-lhe o assistente de produção João Fonseca. Mais um "take" da cena. "Está tudo certo, mas foi um bocadinho depressa demais", diz desta vez o realizador.As filmagens de "António, um Rapaz de Lisboa" iniciaram-se a 1 de Junho e concluiram-se a 22 de Julho. Para além das cenas de estúdio, houve inúmeras rodagens pelos cenários naturais de Lisboa, entre os quais a zona dos Olivais, o hospital Miguel Bombarda, a avenida Almirante Reis, a Ordem dos Arquitectos e a escola Voz do Operário, onde se filmou esta cena, a única que faltava rodar. Ao sétimo "take", Jorge Silva Melo parece satisfeito. "Foi a última!", declara o assistente de produção, para uma longa e entusiástica salva de palmas de toda a equipa. Ainda falta gravar a sincronização do som para esta cena e depois todo o trabalho de montagem em estúdio, mas as rodagens já estão concluídas."Festejámos porque conseguimos acabar um dia antes do previsto, e porque o ambiente da equipa foi sempre muito agradável", diz o realizador. Quando, em Novembro, o filme estiver concluído, só faltará arranjar um distribuidor para o exibir."António, um Rapaz de Lisboa" é uma produção com o apoio da RTP e do ICAM (Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimedia), orçada em 180 mil contos. Jorge Silva Melo afirma que está ainda a ser negociado um apoio financeiro espanhol. Quanto à data em que o filme será estreado, isso ainda depende dos "mistérios da distribuição".Para Jorge Silva Melo, "distribuir um filme em Portugal é muito complicado, sobretudo para as pequenas produtoras. Há uma situação malsã no cinema português, que é a existência de apenas duas distribuidoras". Mas o realizador espera que o seu filme apareça nos ecrãs dos cinemas portugueses. "Claro que eu quero que as pessoas vejam o filme. Mas não é um filme para milhões de espectadores, tem alguma complexidade narrativa. Eu nunca consegui eleger-me deputado, sempre pertenci a uma minoria..."

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