"Não gosto de teatro"

O encenador americano Richard Foreman veio filmar actores portugueses para um projecto internacional. É considerado um dos nomes mais importantes da cena teatral americana e diz ser um outsider, mas um "outsider instituído"
Por Joana Gorjão Henriques

Avant-garde, dadaísta, alucinogénico. É assim, segundo críticos, o teatro de Richard Foreman, 68 anos, autor, encenador, teórico e uma das figuras mais importantes do teatro alternativo americano. O actor-escritor Eric Bogosian, que confessou que o teatro de Foreman mudou o seu percurso, escreveu na revista Bomb: "As suas criações estão para lá da imitação, quase sempre para lá da descrição e da análise." E o músico David Bowie chamou-lhe um "pioneiro neste caótico final de milénio".
Nascido em Nova Iorque, Foreman gosta mais de filosofia e de artes plásticas do que de teatro. Já encenou mais de 50 peças suas, textos clássicos (sem os desconstruir), óperas, fez um filme, ganhou prémios. O fundador do Ontological-Hysteric Theater (em 1968), em Nova Iorque, está pela primeira vez em Portugal a convite da produtora Cassefaz. Está a filmar com artistas e estudantes portugueses, criando material para o seu internacional Bridge Project, que ainda não está previsto vir a Portugal.
Hoje, fala sobre A Morte do Inconsciente na Criação Artística da Actualidade, no Centro Cultural de Belém, às 16h.
Como surgiu e o que é o Bridge Project?
No Verão passado a minha sócia Sophie Haviland, que cresceu na Austrália, convenceu-me a ir lá. À última hora disse-lhe que não queria fazer um workshop, mas talvez filmasse qualquer coisa. Em 1978 fiz um filme [Strong Medicine], que era demasiado teatral. Pensei filmar na Austrália, tentar outra vez, porque gosto de fazer coisas que não tenho a certeza que vou fazer bem. Filmámos na Austrália, gostei do resultado e tive a ideia de usar estes longos takes, estes quadros, como background contínuo de um espectáculo. Fiz isso no espectáculo Zomboid. Gostámos tanto que decidimos envolver vários países e pessoas desses países. Cada país que participa terá acesso a todo o material e espero que cada um faça a sua obra: um espectáculo, uma instalação, qualquer coisa. É uma troca internacional. Portugal é o nosso segundo país. Iremos para Inglaterra, Alemanha, Quioto, Viena e Copenhaga.
O que trabalha com os actores do projecto?
Trabalho os quadros que têm diferentes conteúdos emocionais, muito parados, muito formais - o meu realizador preferido, que descobri há uns oito anos, é Manoel de Oliveira e também gosto muito de [João César] Monteiro, de quem nenhum americano ouviu falar. Cada cena dura cerca de cinco minutos e se tivermos que parar e começar de novo posso usá-la na montagem. Estou interessado em fazer estes filmes que têm erros, interessa-me o filme como um objecto encontrado. Gosto da ideia do ensaio mudar tudo no palco mas no filme não mudo nada, é como a natureza e aquilo que conseguir, consigo.
Há poucas palavras, mais ou menos uma frase por cena e muito simples.
O que gosta mais nos actores?
De uma extrema intensidade que está contida e não vem para fora. Não gosto de actores que tentam que o público os adore, gosto de actores que têm uma atitude meio arrogante com o público e dizem: tenho um segredo, sei mais do que vocês e alguns serão suficientemente espertos para penetrar no meu segredo. Estou interessado em fazer parecer os meus actores inteligentes, a jogar um jogo de xadrez complicado. Normalmente peço-lhes para fazerem muito menos do que normalmente fazem.
O que significa a morte do inconsciente na arte, o tema da conferência?
No passado procurávamos uma história em que o mistério, o intocável costumava ser Deus. Depois Deus morreu e foi substituído pelo inconsciente. Agora com a Internet, a digitalização do mundo, o inconsciente morreu. Mas isto é a metáfora, não é uma peça que fala sobre estes assuntos.
Cresci numa tradição modernista. E todos os grandes artistas modernistas, especialmente a meio do século XX, foram marcados por esta noção de que existem poderes dentro de nós que nos incentivavam a fazer coisas e esse era o tema na maior parte da arte. Depois, admito que fui a pessoa que começou a fazer peças com fragmentos, dissociados. À minha pequena maneira configurei o pós-modernismo, que não aprovo particularmente. Comecei a samplar sons muito antes de se tornar uma coisa popular.
Antigamente, na época de Goethe, a ideia era construir uma catedral da personalidade. Agora toda a gente sabe muitas coisas mas superficialmente. Na última peça que fiz dizia que nos tornámos pessoas-panquecas: temos tudo ao alcance das nossas mãos, toda a informação, mas não há profundidade na estrutura da personalidade.
Como é que definiria o seu teatro e a sua teoria?
O meu teatro é um denso mosaico de impressões. Faço poesia contemporânea.
Tenho teorias mas é preciso sublinhar que quando faço arte não penso, é um impulso, um instinto. Fazer arte não é o sítio para pensar. Depois posso olhar para o que fiz, tentar explicá-lo. O meu teatro não é tão radical se pensarmos num contexto da poesia contemporânea, da música depois de Schönberg e em alguma pintura contemporânea. Desde o princípio quis que as pessoas tomassem consciência da presença do momento no palco. Não acredito em histórias, não acredito na narrativa no teatro. A maior parte do teatro foca-se no que vai acontecer a seguir e sempre estive interessado em dizer: parou, olhem para estes corpos, olhem para este corpo no cenário, na luz, ouçam a palavra... É um fenómeno presente e está-se a olhar para acontecimentos mas não se está a tentar seguir uma história. Olha-se para o palco todo como uma composição destes elementos presentes, neste momento específico.
Sente-se mais próximo da cultura europeia do que da americana?
Sim. Trabalhei em França e durante 20 anos a maior paixão da minha vida foi a França. Já não sinto isso pela França, acho que mudou muito e eu também. Cresci na América, fiz a escola durante o mccarthismo e quando era adolescente havia um ambiente muito deprimente. Estive quase para viver em França, mas à última hora dei-me conta de que todas as coisas de que não gosto na América também estão em mim. Portanto, tinha que travar a minha batalha, porque nunca seria francês. Pertenço à América, mas identifico-me com muitas coisas europeias. Acho que todos os americanos são crianças e adolescentes que nunca crescerão e também sou assim.
Dizem que o seu teatro é meio alucinogénico. Concorda?
Talvez. Nunca tomei muitos alucinogénios, isso assustou-me porque comecei a tomar alguns e tive espasmos. As drogas foram muito importantes na América porque transformaram a era McCarthy num sítio muito mais aberto. Muita arte e muitos amigos foram influenciados pelas drogas. Quando era mais novo e era mais naive, dizia frequentemente que estava a tentar mudar as consciências, tentar atingir vários níveis de consciência, agora acho isso um bocado pretensioso. Mas estou interessado em representar a percepção e tentar compreender que o mundo não é necessariamente como eu o percepciono.
Onde é que se insere no teatro americano?
Não gosto de teatro, mas olho para mim como um artista que funciona muito mais nos termos de outras artes.
Um outsider?
Sim, mas é um bocado afectado eu dizer isso. De alguma maneira tornei-me o outsider instituído. Mas interesso-me por coisas que não interessa à maioria das pessoas do teatro. Sempre quis fazer um teatro privado idiossincrático, tão pessoal quanto a obra de um pintor, como Picasso, ter uma visão pessoal. A maior parte do teatro, e mesmo o teatro experimental, vê o teatro como colaboração, como um esforço colectivo: eu não.
E conseguiu-o?
Absolutamente, talvez bom, talvez mau, mas absolutamente.

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