Conta-me histórias

OThe Pillowman - O homem almofada
De Martin McDonagh
Enc. e trad. Tiago Guedes
Int. Albano Jerónimo, Gonçalo Waddington, João Pedro Vaz e Marco D"Almeida.
Teatro Municipal Maria Matos, dia 15 de Setembro de 2006

Teatro Municipal Maria Matos, sob a direcção artística de Diogo Infante, vai continuando a definir o seu lugar no mapa teatral da cidade de Lisboa com uma programação dirigida a um público diversificado e com algumas propostas bastante tentadoras. Apresenta-se agora The Pillowman, de Martin McDonagh (1970-), um londrino filho de pais irlandeses que é uma das mais singulares vozes do novo teatro britânico. O ponto de partida do texto é a prisão de um escritor, Katurian K. Katurian (Gonçalo Waddington) e do seu irmão (Marco D"Almeida), por dois agentes policiais de um regime totalitário (João Pedro Vaz e Albano Jerónimo). O escritor não percebe as razões da sua detenção, mas há aparentemente ligações entre o que escreve e uma série de infanticídios que recriam as suas histórias...The Pillowman - O homem-almofada, com encenação de Tiago Guedes, é, e de acordo com o programa, "um conto teatral que analisa a natureza e o propósito da arte de contar uma história". Contudo, se é precisamente esse o universo temático de algumas criações artísticas mais recentes, tais como o Projecto Urgências (Maria Matos, 2004 e 2006), alguns trabalhos do Teatro Meridional, do inesquecível Davide Enia (Teatro Taborda, 2005) ou do Product de Mark Ravenhill (Culturgest, 2006) - não é esse o caso aqui. O homem-almofada recorre em demasia a efeitos visuais e malabarismos técnicos que contrariam a simplicidade formal que o acto de contar uma história em palco pressupõe. Além disso, a modelização de momentos de maior intensidade dramática pelo recurso a artifícios técnicos é recorrentemente denunciada e previsível, limitando o jogo dos actores e impondo o seu registo cinematográfico sobre tudo o resto.
A acção decorre em dois espaços privilegiados: uma sala de interrogatórios e a cela onde são encarcerados o escritor e o seu irmão. A cela, composta ao fundo do palco num plano mais elevado, apesar de provocar um impressionante impacto visual - azulejos brancos iluminados por luzes fluorescentes - também se articula com o tom geral do espectáculo. Os traços dos rostos dos actores diluem-se nesta explosão de branco, perdendo-se a intimidade, as cambiantes de tom e as pequenas subtilezas que a interpretação de Gonçalo Waddington e Marco D"Almeida iam oferecendo (e nisto, é este último, pela composição fina da sua personagem, o mais prejudicado).
Mas assistir a este espectáculo é também poder assistir ao desempenho de quatro cativantes actores. João Pedro Vaz e Gonçalo Waddington (dois dos mais interessantes actores do nosso momento teatral) são inexcedíveis em pormenores e intensidade. Contudo, também eles incorrem em mudanças abruptas de registo e em alguns facilitismos, o que denuncia a ausência de uma ideia dramatúrgica para o espectáculo e de uma direcção mais atenta. De resto, Albano Jerónimo por vezes exagera no psicologismo da sua personagem e Marco D"Almeida na formalidade e tom caricatural com que pauta o seu trabalho.
Apesar do mérito da iniciativa, a encenação de Tiago Guedes é algo ligeira e denunciada, fazendo de The Pillowman um espectáculo com pouca profundidade dramatúrgica e que arrisca muito pouco.

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