Agora já podemos subir à torre de Renzo Piano para compreender Londres

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A torre Shard ainda durante a fase de construção JUSTIN TALLIS/AFP

É hoje inaugurado o mais alto arranha-céus da UE. Piano é o arquitecto deste obelisco de vidro, a que chama "cidade vertical"

Renzo Piano fez os primeiros esquissos para a torre Shard, o maior arranha-céus da União Europeia, há 12 anos, nas costas do menu de um restaurante de Berlim. Isto depois de o promotor do empreendimento, Irvine Sellar, o ter visitado no seu atelier e de o arquitecto de 74 anos ter pegado num fragmento ("shard", em inglês) de madeira, uma lasca. O italiano, que diz não ser nada dado a este tipo de "mitologias da arquitectura", já não tem bem a certeza de tudo se ter passado assim, mas garante que foi tudo muito rápido.

O edifício de 310 metros de altura que é hoje inaugurado em Londres, com direito a espectáculo de lasers ao som da orquestra filarmónica da cidade, está longe de ser consensual. Com 72 andares, a gigantesca estrutura de vidro projectada pelo italiano a quem se deve o Centro Georges Pompidou (com Richard Rogers, em 1971-1977) de Paris ou a sede do New York Times em Nova Iorque (2003-2007), é uma das peças centrais do projecto de revitalização do bairro da Ponte de Londres e tem ali bem perto alguns dos ícones arquitectónicos da capital inglesa, como a Catedral de São Paulo ou o Parlamento.

Manuel Graça Dias, arquitecto e crítico de Arquitectura, acredita que a Shard se tornará ela mesma numa "obra icónica", contribuindo para um skyline mais contemporâneo, à semelhança do que acontecera já com a torre ovalada de Norman Foster, na margem oposta do Tamisa, numa cidade que nunca deu especial atenção à construção em altura.

"É um objecto interessante que, creio, não dialogará muito com a sua envolvente", diz Graça Dias. Sendo "muito elegante" não parece, no entanto, "particularmente nova como proposta", continua o arquitecto português, talvez por ter "um ar clássico". "Faz lembrar um obelisco mas, na realidade, respeita o sistema que nasceu com o Empire State Building: uma base larga que depois se desenvolve, tendo um remate em bico. Talvez por isso a sua imagem seja estável, menos surpreendente e original do que a criada por Foster."

Os promotores do empreendimento esperam que a Shard se transforme rapidamente num íman e o primeiro teste ao seu potencial de sedução começa já a 27 de Julho, dia em que arrancam os Jogos Olímpicos que deverão atrair a Londres, segundo a AFP, dois milhões de turistas.

A torre de Piano, Prémio Prtizker 1998, é como uma "cidade vertical" - palavras do arquitecto -, tem capacidade para 12 mil pessoas e inclui um hotel de luxo, 27 andares de escritórios, dezenas de lojas e espaços residenciais (entre o 53.º e o 65.º andares haverá apartamentos que poderão chegar a custar 62 milhões de euros).

O projecto, cuja construção começou em 2009, esteve à beira do cancelamento dois anos antes por falta de crédito, mas o Qatar acabou por resolver a situação, financiando mais de 80% da obra.

Piano, no entanto, nunca gostou de ver a Shard associada a discursos sobre a especulação imobiliária ou sobre uma eventual "agenda escondida" do Qatar no Reino Unido, escreve Robert Booth no Guardian. "Isto não se resume a dinheiro", disse o arquitecto ao diário britânico. "Este projecto é sobre surpresa e alegria, sobre para onde devem ir as cidades. Devem parar e não ir além da cintura verde. Se as cidades crescem assim, na vertical, mandamos uma mensagem sobre a necessidade de preservar a terra. Este edifício não é sobre arrogância e poder, é sobre como aumentar a intensidade da vida nas cidades."

Construir em altura

Do topo da Shard, garante quem já lá esteve, a capital com os seus oito milhões de habitantes parece de brincar. Para Graça Dias, a altura do edifício é uma forma imediata de criar uma referência no território que é especialmente útil em cidades planas como Londres. "Em Lisboa, a topografia ajuda a compreender a cidade, em Londres não. A partir de agora podemos subir à torre de Piano para ler a cidade."

A remodelação urbana que os Jogos precipitaram tem feito do centro um "espaço de convivência de vários tempos", mas sem escapar a polémicas. O English Heritage, organismo público responsável pela defesa do património, diz que a torre de Piano perturba a percepção que se tem da catedral e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) garante que ameaça a "integridade visual" da Torre de Londres.

Em resposta aos sectores mais tradicionalistas, o arquitecto italiano defende que a própria Catedral de São Paulo também foi considerada demasiado moderna à data da sua construção, há mais de 300 anos. "Temos de ter a certeza de que o que estamos a fazer é a coisa certa", diz Piano, "porque, quando se é arquitecto, os erros que cometemos mantêm-se por muito tempo".

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