Gangnam Style, o tsunami pop de Seul, já foi visto 806 milhões de vezes

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A música é uma crítica ao estilo de vida dos super-ricos do bairro de Gangnam, na capital sul-coreana GREG WOOD/AFP

O vídeo do sul-coreano PSY é um fenómeno viral. Nem a Coreia do Sul, que tem tentado promover a sua cultura pop no Ocidente, percebe como é que o sucesso aconteceu com o artista mais inesperado

Há anos que a Coreia do Sul se esforça por lançar a sua música, a chamada "K-pop", no mercado americano. Mas não estava à espera que isso acontecesse, de repente, de forma tão avassaladora, e com um artista como Park Jae-Song. O facto é que Gangnam Style, o vídeo do rapper mais conhecido como PSY, acaba de se tornar o novo recordista do YouTube, com 806 milhões de visualizações, destronando Justin Bieber, o ídolo dos adolescentes.

Lançado a 15 de Julho, Gangnam Style disparou rapidamente nos tops (teve 500 mil visualizações só no primeiro dia) e tornou-se um fenómeno global. O artista plástico chinês Ai Wei Wei fez uma versão do vídeo, dançando a "dança do cavalo invisível" criada por PSY, e usando-o como um manifesto pelo direito ao individualismo e à liberdade de expressão. E, pouco depois, outro artista plástico, o britânico Anish Kapoor, fez a sua versão do vídeo, reunindo 250 pessoas ligadas ao mundo da arte para dançar e cantar Gangnam Style, dedicando-o a Ai Weiwei.

E enquanto por todo o mundo flash mobs dançavam Gangnam Style, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, recebia Park Jae-Song, imitava os passos da dança, brincava dizendo que até àquele momento julgava ser o sul-coreano mais famoso, e dizia esperar que a música fosse "uma força pela paz no mundo".

"[Na Coreia do Sul] há pessoas que dizem: "Temos todos estes rapazes e raparigas tão bonitos que têm tentado entrar no mercado americano com pouco sucesso. Porquê PSY?", disse ao The Wall Street Journal Susan Kang, do site Scoompi.com, dedicado à pop sul-coreana. O rapper de 34 anos, pai de gémeos, é anafado e foge ao estereótipo da beleza sul-coreana. Mas talvez uma explicação para o sucesso resida precisamente no facto de Park Jae-Song não ter feito nada, de forma intencional, para entrar no mercado americano.

A "onda coreana"

O vídeo é um olhar cheio de humor, mas também crítico, sobre Gangnam, o bairro mais luxuoso de Seul, e sobre os que querem subir na escala social e ter o "Gangnam style". Nada disto é perceptível para o resto do mundo, a menos que seja explicado. Este é, portanto, um vídeo feito a pensar no mercado sul-coreano - e talvez tenha sido isso que atraiu o resto do mundo.

Para os sul-coreanos, explica o The Wall Street Journal, a mensagem é claríssima: Gangnam Style é uma paródia "à sociedade hipermaterialista e crescentemente desigual" da Coreia do Sul, e isso tem eco numa altura em que aumenta a intolerância perante a corrupção das elites.

E se quisermos usar apenas uma palavra para falar desses super-ricos basta esta: Gangnam. É nesse bairro, lembra o jornal, que as casas atingem preços astronomicamente altos, que as maiores empresas sul-coreanas estão instaladas, e é de Gangnam que vêm 41% dos estudantes da prestigiada Universidade de Seul. Eton, um dos colégios mais elitistas do mundo, já tem também a sua versão paródica de Gangnam Style feita pelos alunos - chama-se Eton Style.

Mas, quer os sul-coreanos o esperassem, quer não, o facto é que foi Park Jae-Song quem rompeu a barreira de cepticismo que ainda existia nos mercados americano e europeu em relação à K-pop. No mundo asiático ela já caiu há muito. "Hallyu", explica a The New Yorker, é o termo utilizado para descrever a forma como a cultura sul-coreana invadiu os países vizinhos, primeiro com séries televisivas dramáticas e filmes, e depois com a música.

Sung Sang-yeon, especialista em cultura popular, explica à revista que os produtores de televisão aproveitaram a crise económica asiática do final dos anos 90 para oferecerem programas mais baratos que os do Japão ou de Hong Kong e de maior qualidade do que os de outros países. Dramas românticos como Winter Sonata (história de "amores perdidos, quase incesto e cegueira súbita", resume a revista Foreign Policy) de 2002 foram um enorme sucesso e contribuíram para transformar a imagem da Coreia do Sul. Mais recentemente, as séries sul-coreanas começaram a entrar também no mercado sul-americano.

O Governo de Seul aproveitou rapidamente esta abertura de portas e encara a cultura pop (K-pop, K-drama) como uma forma de soft power - uma diplomacia cultural que está a ter resultados muito recompensadores a nível económico, abrindo caminho a negócios das empresas sul-coreanas. "Agora existe confiança numa marca made in Coreia", disse à Foreign Policy Tyler Brûlé, da Monocle, a revista sobre estilos de vida e cidades baseada em Londres.

Muito do sucesso da também chamada "onda coreana" parece residir numa certa inocência, um lado romântico e assexuado (que é uma enorme vantagem para entrar no mercado do Médio Oriente), diferente de grande parte da cultura pop americana que, diz ainda a Foreign Policy, é vista por grande parte do mundo como "cínica e dura".

No meio de tudo isto, contra todos os planeamentos, entrou em cena PSY e o seu Gangnam Syle e as portas que a Coreia do Sul estava a tentar abrir escancararam-se de uma forma que ninguém conseguira prever.

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