As máquinas somos nós

O subtítulo de Evil Machines é Uma fantasia musical. Tanto ou mais do que na comédia, é na "fantasia" e que se encontra uma parte fundamental do universo de Terry Jones, ex-Monty Python, apresentador e escritor de séries, filmes e livros para crianças.Este universo fantástico foi muito bem captado pelo compositor Luís Tinoco. Mais do que procurar o cómico gratuito, a música de Evil Machines tem uma versatilidade e um "jogo de cintura" que dão uma surpreendente profundidade de texturas a esta fantasia. Na verdade, é um guião que, sem ser genial, funciona muito bem, com mais planos de leitura do que os que se pedem à "literatura infantil". E a música compreendeu-o bem: atravessa géneros e desmonta clichés, num exercício que tem muito de colagem de referências da música para cinema, da ópera e sobretudo do musical.
No forte início do espectáculo, os aspiradores cantam uma citação do hino inglês, um dos momentos em que a sátira vai mais longe, tanto musicalmente como na encenação de uma sociedade autoritária e higiénica, que faz o culto de novos chefes aspiradores sob o lema "God keep our carpets clean". Terry Jones não é apenas um dos ex-membros da série Monty Python"s Flying Circus. Em 2005 publicou a colectânea de artigos Terry Jones" War on the War on Terror, fazendo do humor uma arma contra a política de Bush e de Blair.
Mas o universo de Evil Machines é mais tranquilo, aéreo e irreal. Mais perto dos filmes de aventuras, da banda desenhada ou do cinema de animação, apesar de alguns elementos de sátira política e de crítica social. São sobretudo as máquinas e os seus usos o principal alvo do humor de Jones. Na primeira parte do espectáculo o deslumbramento vai para o autêntico desfile de figurinos de Vin Burnham, extremamente bem conseguidos. Fica mesmo a sensação de que não são aproveitados tanto como podiam. O fogão ventríloquo, por exemplo, merecia um número só para ele. O que é interessante é que ali são todos humanos-máquinas. E as relações entre pessoas são tornadas relações entre coisas (como o amor entre o despertador e a batedeira). É nessa sociedade que vivemos, por muito que pareça - e seja - absurdo. Mas quando as crianças brincam com carros e aviões estão a aprender a "civilização", mas também a inventar outros mundos. Evil Machines tem esse lado de brincadeira, com uma pontinha de sonho e um forçado "happy end". Ao mesmo tempo há a narrativa convencional, em que as máquinas "vão tomar conta do mundo".
Evil Machines tem momentos com muita graça, mas perde-se por vezes na profusão exagerada de referências, sons e imagens, sem saber lidar muito bem com algumas cenas fundamentais (o combate entre os dois inventores é mal resolvido cenicamente).
Doze excelentes cantores, o maestro Cesário Costa e a Orquestra Metropolitana de Lisboa contribuíram decisivamente para o sucesso musical e teatral destas Evil Machines, revelando o melhor desta fantasia musical de Luís Tinoco e Terry Jones, um trabalho colectivo com 17 representações. Caso raro no teatro musical em Portugal.

Pedro Boléo

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