As dores de crescimento de um biquíni

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ANTONIO SCORZA/AFP

O Brasil é o mais sexy dos países do BRIC e por isso tanto se vende a sua imagem quanto se teme a chegada, em curso, dos gigantes da moda do hemisfério Norte. Todos querem uma fatia do mercado brasileiro e uma das suas defesas pode muito bem ser um fato de banho

Um grupo de modelos olha-nos, inquisitivo, das alturas seminuas dos bastidores de um desfile de fatos de banho no Fashion Rio. O Brasil é o mais sexy dos países do BRIC. Supermulheres, sobretudo loiras."São todas do Sul do Brasil e moram todas em Nova Iorque", explicam-nos, preparadas para o desfile da Cia. Marítima. Esta é a moda que o Brasil primeiro começou a exportar - o seu corpo, em especial da região que deu ao mundo Gisele Bundchen. Agora que chegam ao Brasil as marcas de luxo do hemisfério Norte e as cadeias campeãs de vendas de moda rápida, a moda brasileira quer passar à ofensiva. E o que é mais perfurantemente brasileiro do que um biquíni?

Nos bastidores do seu desfile, que há uma semana inaugurou o Fashion Rio, Thomaz Azulay, o jovem designer da marca de biquínis Blue Man, sobrinho de David Azulay, o "fundador" da moda de praia nos anos 1960 no Rio de Janeiro, está rodeado de peças tão coloridas quanto reduzidas. "Todo o mundo quer ser carioca, especialmente agora que o Brasil está em alta. A moda de praia brasileira é a principal do mundo." Mas "todo o mundo" também "imita o corte e modelo do biquíni brasileiro", diz Azulay, e a concorrência não está só na praia, foco deste evento organizado pela Luminosidade, que também produz a quinta maior semana de moda do mundo, a São Paulo Fashion Week.

O nó de Dilma

Seis marcas de moda de praia e um punhado de outras que exalam a descontracção das ruas cariocas estiveram, num total de 29 desfiles, no Fashion Rio a mostrar o Verão 2012 brasileiro, o 2013 do hemisfério Norte. É este que domina o calendário internacional de moda e o plano da Luminosidade é ajustar a moda brasileira, da produção às vendas, ao mercado externo. O que não acontece sem algumas dores de crescimento.

A conferência sobre o clima Rio+20 em Junho, o Mundial de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 são os importantes marcos temporais iminentes para o Brasil, e acções como a embaixada de moda, design e música que os armazéns Macy"s, nos Estados Unidos, encomendaram ao brasileiro Francisco Costa, director criativo da Calvin Klein, representam aquilo que deseja Fernando Pimentel, director da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT): "Tornar o lifestyle brasileiro num objecto de desejo." Mas está confirmado: a sueca H&M chega ao Brasil no início de 2013; a britânica TopShop deve seguir-se. A inglesa Debenhams e o espanhol El Corte Inglés estão em prospecção no mercado brasileiro. Marcas de luxo como a Prada, a Chanel ou a Gucci assomam à porta do país de Chico e Tom para reencontrarem a sua clientela classe A e para tentarem a nova classe média, a C, de cartão de crédito em riste.

O mercado de moda brasileiro tem receitas de 52 mil milhões de dólares (41,5 mil milhões de euros) anuais como indústria, dos quais apenas 1,4 mil milhões (1,1 mil milhões) são exportações. Mas os seus protagonistas, os designers, queixam-se dos elevados preços da importação de tecidos que encarecem as peças, alguns pedem um novo parque industrial para aumentar a qualidade do produto e os problemas burocráticos e de sobretaxação são um problema constantemente mencionado.

As marcas que desfilam na passerelle do Fashion Rio ou na de São Paulo, por mais comerciais que sejam, têm na sua maioria preços bastante elevados, a par dos das mais conceituadas marcas mundiais. No meio do arvoredo do Jockey Club, vislumbrando-se a pista de corridas que serviu de pano de fundo aos 29 desfiles do Fashion Rio, Graça Cabral, directora de parcerias estratégicas da Luminosidade, é clara: as marcas internacionais que chegam em força têm como alvo "mercados onde o consumo e os rendimentos são elevados, como São Paulo". Mas as marcas brasileiras, diz ela, também se posicionam nesse mercado pelos seus preços altos devido ao "custo Brasil", uma expressão que descreve os problemas e entraves que ao longo dos anos têm constrangido o investimento no Brasil, desde a burocracia e custos elevados de impostos à fuga aos mesmos. Essas marcas, "vão lutar pelos mesmos clientes", diz Graça Cabral.

No "custo Brasil" conta-se o problema da importação, quer para as marcas que chegam ao país, quer para as empresas brasileiras que comprem materiais fora. "Até aos anos 1990, o Brasil era um mercado fechado em termos de exportação. Como as importações de produtos no Brasil eram proibidas, a cultura industrial brasileira voltou-se para o mercado interno, que ainda é muito forte. E que está crescendo com a nova classe média", refere Rafael Cervone, director executivo do Texbrasil, o Programa de Exportações da Indústria de Moda Brasileira. Tal como a ABIT, defende o têxtil nacional, o sexto maior do mundo, não criticando as actuais e elevadas taxas de importação de tecidos e outros materiais. Importar material é caro, consumir made in Brasil também, apesar da forte produção de algodão e dos 30 mil centros de produção têxtil (o país é o segundo maior produtor mundial de ganga, por exemplo). "Somos muito competitivos até ao portão da fábrica, dali para fora entra uma carga tributária brutal que chega aos 60%", reconhece, algo que está em discussão com o Governo de Dilma Rousseff.

Graça Cabral, que trabalha em moda há mais de 20 anos, acha que a indústria tem "visão proteccionista", mas compreende-a em alguns aspectos - a China e a sua penetração nem sempre transparente no mercado brasileiro e mundial surgem sempre nas conversas com o PÚBLICO. A estratega da Luminosidade sugere que a moda "devia ser vista como indústria de ponta porque precisa de tecidos diferenciados, que a indústria brasileira não oferece, para ser competitiva. O Governo tem um nó nessa questão da indústria."

Genes brasileiros

Urge desfazer este nó, diz Paulo Borges, director criativo do Fashion Rio e da São Paulo Fashion Week e um dos homens mais poderosos da moda no país. Pressiona Brasília: "O Governo não conhece essa indústria criativa de moda, só conhece a indústria pesada, tradicional. Não adianta ter só o tecido para fazer a roupa. E quem tem a tesoura na mão são os criadores. Estas duas representações industriais precisam de estar alinhadas."

O ruído das argolas é cadenciado nas salas da mansão hoje conhecida como Casa Firjan, em Botafogo, tornada show-room para as vendas de 119 marcas, algumas presentes no Fashion Rio, mas sobretudo para pequenas marcas do estado do Rio de Janeiro - forte centro industrial de produção têxtil que esteve na origem da criação, em 2001, do próprio evento Fashion Rio. As argolas coloridas são penduradas nos cabides das peças que os compradores do retalho vão encomendar para vender nas suas lojas. "Não exportamos", continua a ser uma resposta frequente às perguntas do PÚBLICO. Noventa por cento do que se produz na moda brasileira é para o mercado interno e os vendedores estão contentes e esperavam um aumento de dez por cento (em relação à edição de Janeiro) nas vendas neste salão.

Mas há quem exporte, e muito, e tenha sido penalizado pelo mercado cambial, que na semana passada foi agitado para a moeda brasileira. "Quando tínhamos um real menos valorizado, chegámos a exportar mais do que vendíamos internamente", constata Paola Robba, responsável da Poko Pano, uma marca de biquínis e beachwear que começou a sua internacionalização em Portugal nos anos 1990 e depois se espalhou pelo mundo. A Poko Pano é uma das marcas de praia que esta estação migrou da passerelle de São Paulo para o 21.º Fashion Rio; outra delas é a Cia. Marítima, que já passou pela ModaLisboa várias vezes, conhecida pelos supermodelos femininos que contrata e pelos desfiles-acontecimento. Outras marcas de moda de praia de alta gama, como a Lenny, de Lenny Niemeyer, neta de Óscar, o arquitecto, pontuaram um calendário variado, que mostrou várias faces da moda brasileira. É o estilo de vida à venda, com festa e profissionalismo.

Além das mulheres esculturais e dos sonhos de uma vida de Verão, a cultura skate do Rio rolou na passerelle com a R. Groove. Portugal, a loiça Vista Alegre e as mesas de jantar, mais os Dead Combo em alta de popularidade também marcaram a semana, através da colecção da jovem Nica Kessler. A Coven confirmou-se como uma das mais interessantes marcas do Brasil, de Minas Gerais para o mundo (exporta para vários países). "Não queremos que alguém se vá inspirar na Europa e depois traga para o Brasil. Isso não funciona", diz Rafael Cervone, depois de Oskar Metsavaht, fundador da marca Osklen, uma das mais internacionais do Brasil, ter previsto na Folha de São Paulo que "as marcas locais de luxo que trabalham com cópias de roupas europeias vão quebrar [falir] com a chegada dos originais" ao mercado brasileiro - uma tradição herdada de décadas sem acesso generalizado à informação de moda e em que as marcas brasileiras reproduziam as tendências dos principais centros mundiais. "O que funciona são os atributos únicos do Brasil, que se reflectem nas formas, nas cores, nas texturas. Foi o que fez a Havaianas", diz Rafael Cervone, dando talvez o maior exemplo de sucesso recente de um produto brasileiro que atingiu estatuto de ícone internacional.

No 21.º Fashion Rio, as tendências ditadas por Paris ou Milão eram óbvias em alguns dos desfiles, das peças-chave que serão um garante de vendas ao styling ou encenações inspirados em campanhas publicitárias ou desfiles muito mediatizados dos Estados Unidos ou Paris. A cultura de moda e imagem global tem destas coisas. No fim, nos padrões e no ambiente, o tropicalismo - e este último tem, sem dúvida, genes brasileiros.

O PÚBLICO viajou a convite da Texbrasil (Programa de Exportações da Indústria de Moda Brasileira)

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