Os grandes prémios da ciência

Três equipas portuguesas receberão hoje o Prémio Gulbenkian de Ciência, o mais prestigiado galardão nacional para a investigação científica. Tal como aconteceu no passado, também este ano os premiados trabalham em áreas de investigação de ponta. Um grupo do Universidade Nova de Lisboa venceu o Prémio Gulbenkian com um trabalho de base sobre a utilização de moléculas como processadoras de informação, uma investigação na área dos computadores químicos. Do Instituto Superior Técnico foi premiado um trabalho na área da óptica que poderá, no futuro, permitir o desenvolvimento e construção de novas fontes energéticas, com base em lasers. A optimização do queijo ou do iogurte, recorrendo a técnicas de ressonância magnética nuclear, foi o outro trabalho premiado, também da responsabilidade de investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa.

Flores e computadores químicos O crescimento da capacidade de processamento da informação dos computadores está associada à miniaturização dos seus componentes, mas esta tem um limite físico. A solução poderá estar na inversão do processo - ou seja, na construção de computadores a partir do nível molecular. O que, em termos teóricos, poderá dar origem a um novo tipo de máquinas: os computadores químicos. O que Fernando Pina - um dos vencedores do Prémio Gulbenkian de Ciência - e a sua equipa conseguiram fazer foi recriar, a nível molecular, as funções de um "chip". "Um 'chip' funciona numa base binária, trabalha com zeros e uns, e podemos fazer isso numa molécula, através da luz. Quando recebe luz tem uma reacção [1], quando não tem luz tem outra [0]", explica Fernando Pina, de 51 anos, professor de química na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. "Consegue-se reproduzir as funções de um 'chip' de computador, a nível molecular, através da luz, de electrões ou de Ph [o nível de acidez de uma solução]". Neste último caso, o 0 e o 1 seriam representados por diferentes valores do Ph. E que moléculas são estas? "São umas moléculas muito parecidas com as antocianinas, um corante natural responsável pelos vermelhos e azuis de muitas flores e frutos. Existem nas hortênsias, morangos, uvas pretas..." Fernando Pina começou a trabalhar nesta área durante o pós-doutoramento. Depois da licenciatura e doutoramento em engenharia química, no Instituto Superior Técnico, voou até à Universidade de Bolonha, em Itália, para estudar fotoquímica supramolecular com Vincenzo Balzani. Regressou a Portugal, mas mantém a colaboração com o professor italiano.Em 1997, publicaram, juntos, no "Journal of the American Chemical Society", um artigo sobre estas moléculas que poderão vir a substituir os "chips" e o mecanismo de escrever-trancar-ler-destracar-apagar, que desenvolveram. "Não é difícil obter zeros e uns com a luz. Só que, tal como damos luz e obtemos uma reacção [1], quando damos luz novamente, para ler os sinais, obtemos a outra [0]", explica Fernando Pina. Ou seja, os sinais apagam-se. Daí a necessidade de criar um mecanismo de tranca - que permitisse ler o sinal sem o apagar -, e outro de destranque - que permitisse apagar e voltar a escrever. "Já fazemos isto em solução aquosa, agora estamos a trabalhar com sólidos."Obter memória molecular em sólidos é outro desafio. "Pode demorar vinte anos - como previu Vincenzo Balzani -, dois anos ou nunca acontecer", diz Fernando Pina. "Há sempre um período de tempo até a ciência se tornar tecnologia."Imagine uma plaquinha de vidro com 0,15 milímetros de espessura. Imagine agora qual seria o efeito de fazer incidir sobre ela dois impulsos de laser ultracurtos, com um tempo de exposição tão curto que se conseguisse concentrar nele uma potência 300 vezes superior à produzida numa central eléctrica.Em Setembro do ano passado, a equipa coordenada por José Tito Mendonça, do Centro de Física de Plasmas do Instituto Superior Técnico, descobriu que a incidência desses feixes de laser na dita placa de vidro produzia um efeito "esquisito": não provocava o reflexo dos dois feixes de cor ou energia, mas reflectia uma "cascata" de muitas cores ou energias diferentes. O resultado do estudo deste fenómeno invulgar valeu à equipa o prémio Gulbenkian de Ciência, o mais prestigiado a nível nacional.Hélder Crespo, 28 anos, estudante de doutoramento, está também envolvido no estudo, juntamente com José Tito Mendonça e Armindo dos Santos, técnico do Laboratoire d'Optique Apliquée da École Polytechnique, em Palaiseau, França. Hélder Crespo explica que "o laser comporta-se como uma espécie de bala, um pacotinho altamente concentrado". O truque desta potência toda é que seja concentrada num período muito curto de tempo. "Quando a intensidade é muito elevada as leis deixam de ser válidas. Entramos no domínio da óptica não-linear". Por esta razão, o resultado da emissão dos dois feixes não são outros dois feixes, mas vários, explica Hélder Crespo. Da exploração das capacidades desses múltiplos feixes reflectidos, o grupo descobriu que se tratava de frequências, cores ou energias diferentes: "É possível gerar cores que não eram possíveis, na ordem dos ultravioletas, mas são fontes novas que não estão completamente optimizadas".Se estivéssemos a falar de um flash de uma máquina fotográfica, seria o mais rápido que se conhece. "O grau de exposição seria tão curto que permitiria observar a formação de uma molécula. Veríamos não só o antes e depois mas o que se passa pelo meio". A equipa vai agora ocupar-se do estudo pormenorizado do fenómeno, no sentido de o conhecer melhor. Quanto a aplicações concretas, Hélder Crespo prefere parafrasear o pai do laser: "É uma solução à procura de problemas."Um grupo de investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), em Oeiras, em colaboração com o Netherlands Institute for Diary Research, descobriu que pode melhorar o sabor, a textura e até a qualidade de queijo ou de iogurte (estabilidade e durabilidade), se conseguir analisar, através de ressonância magnética, a forma como as bactérias lácticas transformam a glicose dentro das próprias células do produto.Helena Santos, coordenadora da equipa que desenvolveu este estudo, trabalha com ressonância magnética há cerca de 12 anos. "É uma técnica analítica importante, com aplicações em todas as áreas", explica. O processo consiste em usar um supercondutor, com um campo magnético fortíssimo, uma liga de titânio mergulhada em hélio líquido, que em interacção com os pequenos campos magnéticos criados pelos núcleos das substâncias dos produtos, provocam um alinhamento desses núcleos de acordo com os níveis de energia das substâncias. Ao voltarem ao normal esses núcleos emitem radiações diferentes conforme as substâncias em causa, e são assim identificados. Tudo enquanto as bactérias agem sobre a glicose e a transformam. Em quê? É a esta pergunta que a ressonância magnética ajuda a responder com precisão: "A ressonância magnética nunca mente. É uma técnica muito poderosa mas muito cara, que, por isso, não é acessível a todos os laboratórios", afirma Helena Santos.Se o resultado não agradar, - porque o sabor do queijo não ficou tão agradável, ou a textura do iogurte não ficou ideal -, entra-se na fase da manipulação do produto, de modo a produzir outro resultado que mais nos interesse. Se o queijo for muito ácido, é provavelmente porque a glicose foi, na sua quase totalidade, transformada em ácido láctico pelas bactérias lácticas ("Lactococcus lactis"). "O objectivo primário é explorar o micro-organismo [as bactérias lácticas] e desviar o seu metabolismo, de modo a que não dê lugar a esse produto, mas a outro que lhe dê, por exemplo, um sabor mais amanteigado".Durará algum tempo até que o resultado deste estudo chegue à nossa mesa, conforme explicou a equipa que, depois do prémio, continua a trabalhar para optimizar esta técnica.

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