Bacia hidrográfica do Mondego retratada dos pés à cabeça

Que algas vivem nos cursos de água da bacia do Mondego? Como é que essas algas afectam a qualidade da água? Ou o que se passa com os lagostins que infestam os arrozais, a saborosa lampreia ou a lontra brincalhona? O retrato ecológico e ambiental da bacia hidrográfica do Mondego - que é lançado hoje num livro, pelas 17h00, na Universidade de Coimbra - procura dar respostas a estas e outras questões. É a primeira vez em Portugal que se caracteriza, do ponto de vista ambiental e ecológico, a totalidade de uma bacia hidrográfica. O Mondego, o maior rio apenas português, é assim visto do pés à cabeça.Ao longo de 576 páginas, a bacia do Mondego é esmiuçada por quase 100 cientistas portugueses e estrangeiros, em mais de 30 artigos. Esta ideia partiu, há dois anos, de investigadores do Departamento de Zoologia da Universidade de Coimbra e do Instituto do Mar (Imar) - Miguel Ângelo Pardal, João Carlos Marques e Manuel Augusto Graça, os três editores científicos do livro. Isto porque chegaram a uma constatação: fora dos muros das universidades ninguém faz ideia da enorme quantidade de conhecimentos recolhidos ao longo de anos sobre a bacia do Mondego."Este projecto tem como principal objectivo levar à sociedade civil o conhecimento desenvolvido pelas várias instituições universitárias", diz o biólogo Miguel Pardal. "As câmaras municipais, o Instituto da Água, a Direcção Regional do Ambiente, o Instituto de Conservação da Natureza ou a Comissão de Coordenação da Região Centro não fazem ideia dos dados que temos nas universidades. Estamos a dar o primeiro passo para disponibilizar esse conhecimento", continua Miguel Pardal. Os editores científicos pediram então a vários investigadores para fazer uma síntese dos seus trabalhos publicados, nos últimos 15 anos, em revistas científicas internacionais. O resultado é o livro "Aquatic of the Mondego River Basin - Global Importance of Local Experience", editado pela Imprensa da Universidade de Coimbra, com o patrocínio do Imar e do Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (Ipimar). "Oitenta a 90 por cento do livro é a síntese dos trabalhos publicados. O resto são informações novas.""Pela primeira vez em Portugal é caracterizada na sua totalidade, em termos ambientais e ecológicos, uma bacia hidrográfica", sublinha Miguel Pardal, acrescentando que esse retrato será útil às 33 câmaras municipais da bacia e a quem faz gestão ambiental e ordenamento do território. "Esperemos que outras universidades desenvolvam projectos semelhantes para as bacias do Guadiana, Tejo e Douro, que englobam praticamente toda a área do país."O livro está dividido em seis grandes áreas científicas. No primeiro capítulo caracteriza-se o clima e a dinâmica hídrica e dos sedimentos. No capítulo da estrutura das comunidades e biodiversidade publicam-se trabalhos sobre micro-algas, cianobactérias e insectos - e a sua incidência na qualidade da água -, além de se descreverem as comunidades de peixes, anfíbios e aves. Os desenhos aqui reproduzidos de euglenófitas são um exemplo de algas microscópicas da bacia do Mondego.A qualidade das águas volta a estar em análise no capítulo sobre ciclos de nutrientes e dinâmica de plantas, falando-se da poluição por compostos azotados e fósforo e das suas implicações na explosão de micro-algas no estuário. As espécies mais importantes da bacia aparecem no capítulo sobre a ecologia das populações: lá estão o lagostim, que é uma praga dos arrozais do Baixo Mondego, a lampreia, a lontra, a enguia e diversos crustáceos e moluscos. Sem esquecer os problemas ambientais, os cientistas abordam, noutro capítulo, o impacto na fauna da substituição das árvores nativas, como pinheiros e castanheiros, pelos eucaliptos; o impacto do desaparecimento das salinas que as aves usam para se reproduzirem; ou o problema dos poluentes como os metais pesados. Por fim, fala-se da bacia do Mondego como laboratório natural no desenvolvimento de ideias científicas.O livro é em inglês, porque essa é hoje a língua franca da ciência. Senão os trabalhos são ignorados pela comunidade científica internacional. Por 32,5 euros, está à venda em livrarias de Coimbra, Porto, Braga e Lisboa. A edição é limitada a 650 exemplares, porque, lamenta Miguel Pardal, não houve dinheiro para mais.

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