O que fazer com o Planeta dos Humanos?
Ao cruzar-se com o filme, o melhor é estar ciente das suas limitações, mas também aproveitar os pontos em que acerta, como a crítica a certos biocombustíveis, a importância da descarbonização da sociedade, da transparência do financiamento das organizações, da ética ambiental, bem como da detecção de práticas de greenwashing.
Há um novo e controverso filme a agitar a comunidade ambiental. Chama-se Planet of the Humans, é realizado por Jeff Gibbs e conta com o galardoado Michael Moore como produtor executivo. Em 100 minutos, a dupla foca-se na realidade norte-americana para tecer duras críticas às energias renováveis, ao movimento ambientalista, bem como a diversas figuras públicas, como Al Gore ou Bill McKibben. A cereja no topo do bolo: estreou-se no YouTube a 22 de Abril, nos 50 anos do Dia da Terra.
Apesar de o filme abordar diversos temas, da tecnologia ao capitalismo, apenas quero focar-me brevemente na sua abordagem às energias renováveis, sobretudo solar e eólica. Creio que Gibbs e Moore dão um tiro no pé por apresentarem um registo demasiado tendencioso e com erros. Por exemplo, não se compreende que, num filme de 2020, apresentem dados e exemplos desactualizados e não refiram um único caso de sucesso de qualquer tipo de energia renovável. Ou que Ozzie Zehner, um dos entrevistados e autor de algumas das afirmações mais controversas, não seja apresentado como sendo o produtor do documentário. Noutro momento, Gibbs usa um único estudo científico de 2012 e entrevista o seu único autor para “provar” o seu ponto de vista. Porque não apresentou estudos mais recentes e não entrevistou outros peritos em energias renováveis?
Por não ser esclarecedor, actual, rigoroso e jornalisticamente cuidadoso em muitos aspectos, o documentário acaba por desinformar acerca das energias renováveis e pode causar um retrocesso na opinião pública acerca destas tecnologias, um brinde para a indústria petrolífera e os negacionistas climáticos. Críticas não faltam e a Films For Action chegou mesmo a retirá-lo temporariamente da sua plataforma — e há quem exija ao realizador a sua remoção. Contudo, somando milhões de visualizações, o que fazer com o filme? Escondê-lo debaixo do tapete? Talvez não. Ao cruzar-se com o filme, o melhor é estar ciente das suas limitações, mas também aproveitar os pontos em que acerta, como a crítica a certos biocombustíveis, a importância da descarbonização da sociedade, da transparência do financiamento das organizações, da ética ambiental, bem como da detecção de práticas de greenwashing.
Planet of the Humans é, acima de tudo, um lembrete amargo de que, apesar de décadas de ambientalismo, alertas da comunidade científica e pequenas vitórias, permanecemos fundamentalmente no mesmo sistema socio-ecónomico que é responsável pela crise ambiental. A ideia de que conseguiremos manter os padrões de consumo actuais que tanto apreciamos nos países mais desenvolvidos, crentes de que a tecnologia nos salvará a todos, humanos e não-humanos, faz-me lembrar um conto de fadas moderno. Talvez mais perto da realidade, mas longe da vontade, esteja uma inevitável redução massiva do consumo de recursos naturais, energia primária e uma necessária reinvenção socioeconómica.
Último reparo, prometo: o filme é omisso em soluções. Suponho que faça parte do murro em cima da mesa. Seja como for, como solucionar algo tão complexo? Não me refiro à adição em combustíveis fósseis, mas ao maior desafio de sempre da humanidade, vivido aqui e agora por todos nós: como evitar que a civilização actual seja responsável pelo colapso dos limites planetários? O rumo que seguimos actualmente faz-me lembrar quando escavava túneis na areia molhada da praia e depois ficava curioso por encontrar o seu ponto de colapso. Sabemos que esses pontos estão próximos mas, ainda assim, continuamos a escavar.