Viagem pelo país surreal da toponímia (2)

Ao longo de nove séculos de história, Portugal coligiu uma toponímia notável e variada, com tanto de poético como de brejeiro. Estudar os nomes das terras portuguesas é um verdadeiro mergulho num mundo quase surreal. E tudo se complica ainda mais quando se fala de sexo: como se chama a um habitante de Entre Pernas?

Num país que alberga terras com nomes tão incrivelmente estranhos como Abambres, Badamalos, Calfaioma, Belazaima do Chão, Escabralhado, Gondifelinhos, Isabeldeiras, Paradóstia, Venfuzelas, Xarraminha e Zangalhona, poderá haver pior? Por incrível que pareça, pode. O campeonato dos nomes alienígenas ainda mal começou. E no horizonte perfila-se outra ameaça ainda pior: quando o pé dos portugueses escorrega para a chinela da brejeirice, não há quem nos segure.

Sim, vamos falar de sexo, de javardices em geral, de vernáculo (definição de vernáculo no dicionário: "Próprio do país a que pertence." E não há nada mais "tuga" do que isto...). Mas, se não se importam, já lá vamos. Antes, conviria ir preparando o corpo e o espírito para as duras provas que aí vêm. Encarem a coisa como uma espécie de preliminares.

Voltando aos nomes de terras que são maus de mais para acreditar. Abrimos a letra A da base de dados compilada pelos Serviços Cartográficos do Exército e damos de caras com coisas como Abegoariasinha, Abetónicas, Abladario, Abolembra, Alforgemel. De onde vieram estes topónimos? Para onde vão? Que significado poderão ter? Bom, por mais que nos custe admiti-lo, as respostas para estas questões são: não faço ideia; sei lá!; nenhum. Consulta-se o Dicionário de Toponímia da Porto Editora e a mensagem não varia: "A palavra inserida não foi encontrada." Experimenta-se o Dicionário da Língua Portuguesa e o desfecho é idêntico. Ou seja, estas terras de Portugal não têm nome em português. Suspeita-se mesmo que possam ter sido originados noutro planeta.

Estranhamente, os investigadores do paranormal jamais se viraram para estas provas evidentes do contacto, em eras passadas, com visitantes vindos do espaço. Como nunca é tarde para despertar os espíritos, cá vai a nossa ajuda amiga com mais um punhado de topónimos a ter em conta: Bandalhoeira, Cababulho, Calfaioma, Chinicato, Cachamundinho, Carregoiceirinha, Francelheirinha, Mafamude, Malaqueijinho, Pucicairos de Baixo (e de Cima), Saramonheira de Cima, Tuxufal de Baixo.

Há-os para todos os gostos, dos impronunciáveis - Geguintes, Jambujeiro, Monte da Azenhalinha - aos falsamente identificáveis - Perpescoço, Recancanha. Mas não desistimos. Vamos lá inserir a palavra "Totenique" no dicionário! E nada. Nunca saberemos como se chegou ao topónimo Totenique Rachado...

Já a opção por algo tão barbaramente rebuscado como Carrazedo da Cabugueira tem uma explicação simples: a tão humana atracção pelo abismo. "Carrazedo", em si, já era mau; mas juntar-lhe "da Cabugueira" revela um sadismo notável. E, no entanto, há um estranho apelo na aliteração... Que também fica patente em outros exemplos desta "figura de estilo que consiste na repetição das mesmas letras, sílabas ou sons, na mesma frase" (e voltamos a citar o dicionário, para não haver mal-entendidos). Os nossos políticos, que muito gostam de vaguear por estas veredas linguísticas nos seus discursos, certamente terão muito a aprender com os habitantes de Azinheira Amargosa, Vilares da Vilariça e - campeão mundial da aliteração - Malada do Monte dos Mortos.

O magnetismo do sexo

De um mundo onde não percebemos nada, para algo de completamente diferente. Ou seja, um universo onde damos por nós a perceber mesmo o que ninguém comunicou, a ler o que não está escrito, a ouvir o que jamais foi dito, a perceber o que queremos. E, claro, o que a malta quer é sexo.

(A partir deste parágrafo, por favor, agradecíamos que o artigo fosse mantido longe de olhares e mentes sensíveis, nomeadamente de crianças, idosos em fase de incontinência e todos aqueles a quem palavras alusivas ao acto sexual nas suas diversas variações possa causar danos psicológicos irreparáveis. Obrigado. Todos os outros, preparem-se! Como diria o grande apóstolo da javardice Quim Barreiros, isto vai ser de rebimb"ó malho!)

Antes de mais, há que dizer que Rebimba existe mesmo e, embora a sua definição aponte para um sinónimo de "preguiça, indolência", a expressão popular "rebimba o malho" significa "excelente, à bruta, com toda a força". Seja, então à bruta. Alguém concebe que um país civilizado tenha uma terra chamada Portela de Putas? Parece impossível... e afinal é mesmo (ver texto ao lado).

Um erro na base de dados dos Serviços Cartográficos do Exército contagiou o Google, mas a verdade é que, apesar de existirem no concelho do Marco de Canaveses várias terras chamadas Portela, nenhuma alude a mulheres que se entregam a prazeres ilícitos em troca de recompensas pecuniárias. Que chatice! Citando o desabafo de um jornalista norte-americano, adoro factos, mas fico danado quando me arruínam uma boa história!

Adiante, que há muito mais por onde escolher. Rumemos a sul. No concelho de Santiago do Cacém encontramos Entre Pernas e, mais ainda do que meditarmos sobre os obscuros mecanismos mentais que levam alguém a dar um nome destes à terra onde vive, há uma questão que se impõe: como se chamam as pessoas que vivem ou nasceram em Entre Pernas?

Aparentemente, ninguém pensou que, ao baptizar uma terra com este nome, estarías a estigmatizar todos os infelizes das gerações vindouras que vissem a luz do dia por estas paragens. O que terão a dizer disto os honestas cidadãos a quem escrevem no Bilhete de Identidade, no campo "Naturalidade", tão duvidosa referência? Talvez seja por isso que o Cartão do Cidadão já não disponibiliza este tipo de informação. (Embora na verdade, e se pensarmos bem, tirando os que nasceram de cesariana, todos viemos, afinal, de Entre Pernas...)

Enfim, Entre Pernas, essa bela localidade, não está sozinha no campeonato das ordinarices. Se o caro leitor tem como referências, neste particular, graciosas localidades como Casais da Gaita, Coina, Picha ou mesmo Venda das Raparigas, as boas notícias são que tem vivido num mundo de suaves ilusões. As más vêm a seguir.

Comecemos pela reputação das mulheres casadas. Não pode ser: com topónimos como Abertas de Baixo, Cabrão, Cabrões, Cama da Vaca, Casa Valdevinas, Casal das Abertas, Casal das Pegas, Enchecamas, Monte de Pau e Corna, Puticas, Quentinha, Quinta do Cabrão, Rio Cabrão ou Vaquinhas Fundeiras é todo um ideal de fidelidade que vai por água abaixo. Não surpreende que a instituição casamento atravesse uma fase difícil. Mas então já não podemos confiar na felicidade a dois? Podemos - e há mesmo sítios onde esse destino está escrito nas tabuletas.

Espaço para o romance

Se alguém procura local para passar a lua-de-mel, fica a sugestão: deixem-se dessas pepineiras do cruzeiro nas Caraíbas e da semanita numa cabana das Seychelles e procurem no mapa de Portugal terras como Beijinho, Bem Casados, Casal do Amor, Cor de Rosa, Felizes, Horta do Compromisso, Horta dos Amores, Monte do Cupido, Monte dos Casadinhos. É garantia de felicidade eterna!

No entanto, este pode ser terreno minado: apesar do aparente apelo, se não leu Camilo Castelo Branco, talvez seja de evitar a Quinta do Amor da Perdição. E, mesmo que, por engano, passem pela Quinta das Zangas, fujam depressa, sob pena de se apanharem em Casalinho Farto mais depressa do que esperavam. Porque é sempre bonito ir de Queridas e Querido para Amadas e Amado - e daí para Monte dos Amantes rumo a Horta dos Namorados, se tudo correr bem. Mas, miseravelmente, nem todas as viagens terminam em Casados...

Às vezes basta uma escorregadela na Horta do Beijinho e a Dona Amada afina, zanga-se e pior fica quando descobre que andámos a frequentar Donzelas dos Pares. Nunca mais ouviremos Fôfo, nem Gostei. Ou então ela sente-se insegura e passa a gastar muito do seu tempo e do nosso dinheiro em cirurgias plásticas e Butoque - Bolas!

O cenário é especialmente previsível para homens do Curral dos Mariolas, Horta da Pilota, Tapada do Macho, Tiracalças ou Venda da Gaita. Para o sexo feminino, os avisos mais sonantes vão para as naturais de Almoçageme (sim, isto vem do árabe!), Boa, Desejosa, Quinta das Peladinhas e Catraia Fundeira. Mas os habitantes de Alçaperna, Boa Vista de Baixo, Modelos, Maroteiras de Baixo e Monte da Tapada da Marmelada não podem facilitar. É o vosso futuro que está em jogo!

Não é fácil, claro. Com o país repleto de destinos como Monte dos Pinantes ou Noitinhas Novas, a tentação é grande. Imaginemos que vamos na estrada da vida e damos de frente com o Vale da Rata. Como é? Seguimos em frente? Paramos para beber um copo? Em Colo do Pito, Três Bicos, Parracha de Baixo, Quinta da Trancada, haverá possibilidade de fugir ao pecado?

E elas? Fecham os olhos quando passam no Bairro das Pilas? Se ouvirem Filha Boa, devem confirmar a máxima de que mulher séria não tem ouvidos? Mesmo que estejam em pleno Vale do Cio? Ou deixar-se-ão enfeitar pelas vistas em Jonaverga, Paio de Baixo, Montinho do Pau Cabeludo? Quando alguém chama à sua terra Anais, estava a pensar em quê?! E se um Mancebo de poucas posses calha a estar em Casa das Ricas e sabe que a Casa das Trancadas é já a seguir?

Vivemos, portanto, tempos difíceis. Mas, simultaneamente, nunca houve tanta abertura para sexualidades diferentes. Aliás, até apetece dizer que alguns dos chamados temas fracturantes desta era já deviam ter sido assimilados há mais tempo, se estivéssemos atentos ao que nos dizem os mapas. O casamento homossexual, por exemplo. Que se saiba, terras como Casais Adões ou Casal das Elas já existiam antes da recente polémica.

As imensas minorias

Os Casais Garridos vêm de longe, não se falava era disso abertamente. Usava-se uma linguagem mais desrespeitadora, fruto do preconceito. Quanto vale uma aposta em como, no curto/médio prazo, terras como Casais da Maricota, Maricas, Mata da Bicha, Panascas ou Rabicha serão convencidas a mudar de nome? Acabarão, certamente, seguidas nesse esforço humanista por Malhada da Panascosa, Maricota de Cima, Panasca, Panascal, Portas da Rabicha e Quinta das Bichas, entre outros. Um dia, todos os que pretendem aludir à liberdade de amar alguém do mesmo sexo poderão optar por localidades como Casais de Vale Donzelas ou Casais dos Varões. Já Casal da Popa talvez seja de evitar.

Outras gentes, outras opções. Casais da Própria parece indicado para as mulheres que preferem viver sozinhas, Quinta de Finges para quem não gosta de compromissos, Casal da Pelota tem tudo para se tornar uma meca dos naturistas. O Monte da Troca apela aos adeptos do swing, que podem ainda optar pelos igualmente discretos Quinta da Troca e - mais radical - Quinta das Trocas (notaram o plural, espero...). Os fanáticos do sado-masoquismo têm, também, um local de eleição: chama-se Casal da Coleira.

Há também topónimos que, passe a falta de respeito, são mal empregados a denominar ajuntamentos de habitações e outras construções de uso comum (vulgo: localidades). Na verdade, há bom dinheiro a ganhar com nomes do estilo de Quinta da Manobra, Monte do Pecado, Quinta da Cambalhota, Telheira do Desvario. Basta registá-los e esperar que apareçam candidatos a abrir casas de alterne.

Porque, convenhamos, o povo não pensa noutra coisa. Vejam bem: há uma terra chamada Enfia, outra responde pelo sugestivo nome de Entrabum, se nos descuidamos damos de caras com a Buraca Negra, o Carapinhal de Baixo, a Passarinha, a Quinta dos Grelinhos, a Grila, a Fonte da Rata, a Várzea do Tufo. Pronto, já perceberam: a Vaginha! Elas saem para ir à mercearia e em menos tempo do que demora a dizer Tira Baixo ou Monte Pouca Roupa, já está: aparece-lhes pela frente o Bico do Campo, a Pera Gaita, o Pau, a Pichorra, a Casa do Sardão, a Quinta do Tralhão. Ou seja: Vergas!

Aparentemente inocentes

E depois há as promessas. Monte do Finca Joelhos, Aguentinha do Campo, Fazenda da Chupeta, Feijoal dos Três Bicos, Malhada Fundeira, Monte do Chupa, Boa Vista dos Quartos. Uma pessoa, por séria e casta que seja, não pode deixar de sentir as Ancas a tremer, o Rabito a arder, talvez mesmo o Vale de Marmelos a arfar. Convém é não regar a Horta do Vale das Calças fora de tempo.

Sim, amigos, todos pensamos em sexo. Uns mais do que outros, mas todos mais do que seria expectável numa espécie que aprendeu a dominar os instintos mais básicos. Um pequeno teste: o que lhe vem à cabeça quando se fala em Lavacolhos? E Quinta das Loirinhas? Ou Moinho da Mama. Tapada do Bico. Monte dos Marmelos, Fonte da Rata, Casais Fundeiros. Ah, pois é! Mesmo Casal da Macalhona, Casal da Puceteira, Casal da Remolheira, Lagar da Revonvela, topónimos aparentemente inocentes... exacto, também estava a pensar nisso.

Portugal é um país de coitos. Eles estão por todo o lado e só a inépcia dos praticantes explica que a nossa taxa de natalidade ande tão por baixo. Há Coito, Coitinhos e Coito Grande. O coito acontece na Fonte, na Horta, no Lugar, no Moinho, no Monte, na Quinta, na Vila Nova. No singular e - mais raro, mas sempre de saudar! - no plural. Há até Picoitos (quem souber que explique) e um Coito do Porfírio, que, supõe-se, será uma especialidade. E se algumas noções são fáceis de apreender, como Coito de Baixo ou Coito de Cima, já alguém ouviu falar de Coito da Enchacana? Coito da Espadaneira? Coito do Chaimiço? Isto é um verdadeiro Kama Sutra lusitano!

Na verdade, os únicos temas que ainda alimentam vagas esperanças de poder rivalizar com o sexo nas preferências dos portugueses são, claro, a comida e o futebol. Disso falaremos no próximo texto. Juntando-lhes a economia, que também anda nas bocas do povo. Para a semana.

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