O cinema nasceu há 110 anos

Evocação da primeira sessão pública do invento dos irmãos Lumière, em Paris. E também da criação da indústria, dez anos depois, com Charles Pathé, outro francês

O cartaz à entrada do Grand Café não é de cariz a suscitar o entusiasmo da multidão parisiense que passeia pelo Boulevard des Capucines, naquele 28 de Dezembro de 1885: Cinématographe Lumière, anuncia o impresso, explicando sucintamente que, por um franco, é possível assistir à "representação de vários filmes" a começar por La Sortie des Ouvrières de l"Usine Lumière, ou ainda a L"Arrivée d"un Train en Gare de La Ciotat.Mesmo assim, 35 curiosos deixam-se tentar pelo Cinematógrafo Lumière e a sua apresentação da Saída das Operárias da Fábrica Lumière, e pela Chegada do Comboio à Estação de La Ciotat: 35 pessoas que pagam o seu bilhete, e que participam assim no nascimento da primeira sessão pública e comercial do cinema.
O efeito é inesperado. Uma locomotiva aproxima-se a toda a velocidade, dir-se-ia que vai rasgar o ecrã e entrar na sala. Alguns espectadores querem fugir, mas adoram. O entusiasmo deles atrai, dia após dia, centenas de parisienses à entrada do Grand Café, onde as sessões de cinema se sucedem. A imagem animada torna-se depressa o suporte cultural mais popular junto de todas as categorias sociais do fim do século XIX e do começo do século XX. Em Janeiro de 1896, é inaugurado o primeiro cinema em Lyon. Seguem-se Londres e Bruxelas em Fevereiro, e Berlim em Abril.
Entre 1889 e 1895, tinham-se notado no mundo várias experiências com imagens animadas. Mas estas invenções não foram registadas nem tiveram o sucesso que os irmãos Lumière viriam a encontrar, há precisamente 110 anos. Alguns anos antes, em 1889, o americano Edison tinha inventado uma espécie de caixa que permitia passar uma banda de filme perfurado, síntese por si só das invenções de Etienne-Jules Marey e de Emile Reynaud. Os irmãos Lumière acrescentam a "câmara projectora", o tal cinematógrafo, lançando assim, sem o saberem, o fundamento da Sétima Arte.
Entre os espectadores do Grand Café, logo na primeira sessão do cinema como espectáculo de massa, há 110 anos, está Georges Méliès. E se os Lumière foram, segundo o realizador da Nouvelle Vague, Jean-Luc Godard, os "últimos impressionistas", Méliès torna-se no primeiro "poeta de Art Nouveau". Este empresário teatral de 33 anos antevê todas as possibilidades artísticas do cinema. Méliès tenta comprar o cinematógrafo dos irmãos Lumière, que recusam. Pouco importa, Méliès fabrica a sua própria caixa mágica, o kinetograph.
Desde 1896, para alimentar o interesse do público, Méliès imagina as primeiras ficções e os primeiros efeitos especiais do cinema. No ano seguinte, abre em Montreuil, perto de Paris, o primeiro estúdio de cinema do mundo. Cria a sua própria companhia, a Star-Film, que realizará um milhar de filmes. Note-se que estes primeiros filmes são chamados vues (vistas), medem 125 metros e duram quatro minutos. Mas, vendidos a metro aos animadores de feiras, popularizam o cinema em todos os recantos da França e do planeta.
Por seu lado, os irmãos Lumière continuam a apresentar o cinematógrafo em todas as grandes cidades, e enviam operadores de imagem para filmarem no mundo inteiro. Louis Lumière é considerado como o primeiro cineasta do real.
Mas é há cem anos, com Charles Pathé, que o cinema perde a sua dimensão artesanal para entrar na era industrial e capitalista: em 1905, a Sala Pathé apresenta a primeira programação com mudança de filmes às sexta-feiras. Em 1907, os filmes são alugados aos difusores pelo intermédio de empresas concessionárias e instala-se então o sistema que vigora ainda hoje no cinema: produção, distribuição e exploração.

Sugerir correcção