João Rodrigues na direcção da Dom Quixote

João Rodrigues, editor da Ambar, vai integrar em Setembro a direcção editorial da Dom Quixote em sequência da saída noticiada há um mês de Nelson de Matos, que há 23 anos dirigia a editora.A escolha de João Rodrigues, que regressa à Dom Quixote, onde esteve entre 1987 e 1991, é bem acolhida no meio. O seu nome é visto como garantia de continuidade do trabalho de Nelson de Matos, o mais importante editor de literatura portuguesa que nos anos 80 conquistou autores como António Lobo Antunes, Maria Velho da Costa, Lídia Jorge e José Cardoso Pires, ou, mais tarde, José Eduardo Agualusa, Mafalda Ivo Cruz, Pedro Rosa Mendes e Inês Pedrosa.O convite a João Rodrigues deve-se ao seu "percurso e experiência vastíssima", "à relação muito forte com o meio editorial e com muitos escritores", disse ontem João Paixão, responsável pela gestão da editora e representante do Grupo Planeta, líder editorial de Espanha que em 1999 comprou a Dom Quixote a Nelson de Matos. "A Dom Quixote enche-se de orgulho por contar com ele", acrescentou.Rodrigues não irá substituir Nelson de Matos como director editorial já que a empresa irá sofrer uma reestruturação. "Vem reforçar a equipa editorial, mas não afirmámos a posição", disse Paixão. A reestruturação deve-se ao crescimento da editora, também uma referência na literatura estrangeira: "Nos últimos cinco anos dobrámos a nossa actividade. Temos vindo a crescer a um ritmo de 20 por cento ao ano." O próprio João Rodrigues diz que não regressa à Dom Quixote para substituir Nelson de Matos: "Ele tinha uma posição especial, até por ter sido proprietário." Por ainda não ter chegado a acordo com a Planeta, Nelson de Matos não quis comentar.Trabalho editorial e políticoJoão Rodrigues, 59 anos, estava desde finais de 2001 na Ambar, no Porto, onde iniciou um projecto de literatura portuguesa e estrangeira para adultos. Começou a trabalhar na área editorial justamente na Dom Quixote, primeiro como revisor e depois como assistente editorial de Manuel Alberto Valente (que agora dirige a Asa - ver caixa) e de João Carlos Alvim, actualmente consultor editorial, então responsáveis pela ficção estrangeira. Em 1991 foi dirigir as Edições Cosmos, mas, meses depois, Manuel Valente, que saiu nesse ano para a Asa, convidou-o a integrar a editora portuense. Mais tarde, assume a direcção editorial da Central Livros. Além da experiência na área editorial, João Rodrigues foi durante vários anos funcionário do PCP, do qual foi militante até 1989, tendo exercido cargos políticos durante o Governo PS como assessor para assuntos culturais do secretário de Estado de Turismo Victor Cabrita Neto e como administrador do Icep entre 1998 e 2001 (foi o responsável pela programa cultural e promoção turística "Perfil de Portugal" em Madrid, que em 2000 levou a Espanha escritores, artistas plásticos, e outros). João Rodrigues transita agora para a Dom Quixote por duas razões: "Uma é o regresso a Lisboa: a minha família está toda em Lisboa. [A outra] é que este convite é muitíssimo atraente. Conheço muito bem o catálogo, que tem um grande prestígio, inigualável, quer no âmbito dos autores portugueses quer estrangeiros. E é um dos lugares editoriais mais interessantes do país. Tem uma política de autor que me agrada muito, é uma casa de autores."Questionado sobre como vai gerir o peso de suceder a alguém com tantos anos de casa, Rodrigues disse: "Entristece-me regressar quando está por resolver a questão entre Nelson de Matos e o grupo Planeta, já que Nelson de Matos é um amigo. As circunstâncias não são as ideais. Mas regresso com o mesmo entusiasmo. Todos sabemos que Nelson de Matos teve um papel muito importante, é uma das peças chave da construção do catálogo e tem relações muito fortes com os autores. Eu também tenho uma relação forte com os autores, e isso é essencial, é parte do capital de um editor."Bem acolhido no meio literárioLamentando a saída de Nelson de Matos, Lídia Jorge elogiou João Rodrigues: "É um homem muito culto e com uma grande capacidade de diálogo. É uma boa notícia, apesar de tudo." Sublinhando que o conhece há anos - "trabalhou com o meu livro 'A Costa dos Murmúrios'" -, escritora referiu-o como alguém com "perfil adequado", que tem "uma visão sobre a edição" e conhece "as várias etapas de criação de um livro". "A editora encontrou uma pessoa à altura, garante a continuidade." António Lobo Antunes, há mais de 20 anos na Dom Quixote, não quis comentar nem a saída de Nelson de Matos nem a entrada de João Rodrigues: "As coisas da família resolvem-se na família." Também Manuel Alegre foi breve: "Sou grande amigo de João Rodrigues, não vou misturar as coisas."Já Manuel Alberto Valente disse: "É uma pessoa que já pertenceu à casa, recolhe a aprovação dos autores portugueses que lá estão." Valente acrescentou: "Tem todas as condições para recolher a unanimidade e para manter incólume a linha que a editora tem mantido."O escritor Mário Claúdio ressalvou que não conhece "pessoalmente" João Rodrigues, mas comentou: "As informações que tenho é que parece haver um consenso enorme relativamente a João Rodrigues, e isso torna esperançoso o futuro."

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