Um cometa chamado Clapton

Depois de um começo intimista e acústico que incluiu o blues "Key to the highway", o neo-samba "Reptile" e ainda "Tears in heaven", Eric Clapton, 55 anos, arrasou terça-feira à noite um Pavilhão Atlântico lotado e rendido desde o primeiro tema, com um "show" simultaneamente feroz e virtuoso da sua Stratocaster. Clapton começou de mansinho e sem grande suporte da banda, carregando uma viola acústica e atacando os blues. O percussionista brasileiro Paulinho da Costa saudou depois os "amigos portugueses" antes de "Reptile", um tema muito sambado do novo álbum a editar 13 de Março, no qual Clapton exercitou uma guitarras "slide" pela primeira e única vez na noite. "Tears in heaven" viu acenderem-se os primeiros isqueiros e "Change the world" deu lugar a um belíssimo solo acústico. No entanto, ninguém estava devidamente preparado para o que viria a seguir, mal Eric Clapton pegou na Stratocaster e avançou pela electricidade em solos devastadores, fosse no magnífico "My father's eyes", fosse ainda no momento mágico com que terminou "River of tears", com a guitarra a desfazer-se num delírio poderoso de "riffs". A plateia parecia então entre a hipnose e a incredulidade: "Como é que o homem faz aquilo?". Aos poucos, a banda por detrás de Eric Clapton pôde soltar-se e ter os seus momentos: Paulinho da Costa, um mago na percussão, o ex-E Street Band David Sancious nos teclados, Nathan East no baixo e na voz, Andy Low na guitarra e na voz e Steve Gadd na bateria. Todos juntos têm um currículo e carta de apresentação notável e mostraram-no na terça-feira à noite, sobretudo Paulinho, mágico nalguns momentos de percussão e David Sancious, carregando nas teclas em "Got you on my mind". Ao décimo tema, Eric Clapton passou a apresentar alguns temas do novo álbum. "Got you in my mind", um blues-rock de pôr toda a gente a bater com o pé, provou que pode vir a fazer muito sucesso juntamente com um blues notável, "Don't let me be lonely tonight", que permitiu solos irresistíveis tanto a Sancious quanto a Clapton. O mago da guitarra estava imparável. Sem se dirigir ao público, quase sem pausas de um tema para o outro, Eric Clapton parecia sempre interessado em aumentar a potência e a intensidade dos seus delírios de guitarra eléctrica. O grande momento da noite veio a acontecer com mais um tema do novo álbum, "Believe in life", com a banda e, sobretudo, os teclados de David Sancious em total apoteose, reinando sob 16 mil pessoas extasiadas. Clapton ia intervalando com alguns blues mais tranquilos e caminhando em frente. "Hoochie coochie man" rendeu um grande solo de piano a Sancious e o "show" aproximava-se da sua última fase quando Clapton fez soar "Have you ever loved a woman", a guitarra a chorar, Clapton no seu trejeito habitual, o rosto para cima: "Have you ever loved..." Seguiu-se um tema que o público sabia de cor e salteado e cujo refrão reza: "she don't like, she don't like...cocaine!". A maldita cocaína rendeu os incondicionais, que viram a sua fidelidade compensada com outro clássico: "Wonderful tonight". Quando chegaram os acordes de "Layla", foi o delírio entre a velha turma que segue os discos e a obra de Eric Clapton desde os anos 70. Clapton cantava "Hey Layla got me in my knees" ("Layla tens-me de joelhos") e o mesmo podia dizer o público do Pavilhão Atlântico a um homem que toca a guitarra como poucos no planeta Terra. Clapton saiu com o público de pé a pedir "encore" e voltou para dois temas, o último dos quais foi uma agradável surpresa para quem não teve o privilégio de o ver em Londres no Royal Albert Hall: "Somewhere over the rainbow". A banda agradeceu num abraço colectivo à boca do palco e deixou o Parque das Nações mergulhado em sorrisos e boa disposição. Hoje há mais...em Madrid. Novo disco - Gravado em Los Angeles no Verão do ano passado, "Reptile", o novo disco de Eric Clapton, é lançado a 13 de Março e tem a colaboração do texano Doyle Brahmall II, dos Impressions, Billy Preston e Joe Sample. É co-produzido por Simon Climmie, co-produtor também de "Pilgrim" (1998). Primeira parte - Seria injusto não mencionar a excelente primeira parte de Doyle Brahmall, 32 anos, e dos seus Smokestack. O som da banda combina blues, rock e soul. Doyle dá uns ares de Stevie Ray Vaughan na forma como tritura a guitarra.

Sugerir correcção