Tubarões à vista em Portugal? Estão à procura de alimento, não de banhistas

Com a entrada do Verão, não se alarme se avistar um tubarão na água. No raro acontecimento de se aproximarem da costa, estes animais vêm à procura de comida e o perigo de ataque é quase nulo.

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O tubarão-baleia é comum nas águas perto dos Açores HO / REUTERS
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Ao longo do ano, mais de 40 espécies de tubarões nadam perto de Portugal. No entanto, nem todas são fáceis de ver: a maioria nunca chega perto da praia e algumas permanecem apenas nas profundidades.

As razões que trazem os tubarões até à costa portuguesa são muitas.“O tubarão-azul, por exemplo, está em toda a costa portuguesa — aliás, quase desde o golfo de Biscaia até Marrocos. O oceano Atlântico é um berçário para que as fêmeas venham dar à luz, esta espécie nasce aqui, então é relativamente fácil de ver”, explica Nuno Queiroz, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio-inBIO) da Universidade do Porto. Além do tubarão-azul, em Portugal podem ser avistados o tubarão-mako, o tubarão-branco e o tubarão-frade, entre outros. Nos Açores, é comum ver o tubarão-baleia.

A costa portuguesa torna-se atractiva para estes predadores, especialmente no Verão, por causa de um fenómeno geográfico chamado upwelling (afloramento, em português). Este fenómeno, que consiste na subida das águas das profundidades à superfície, não só faz que a água fique mais fria, mas também traz nutrientes do fundo que desencadeiam maior concentração de zooplâncton, o que atrai presas e predadores.

“Este sistema de afloramento, que é bastante comum, faz com que estas zonas sejam locais onde predadores como os tubarões se agregam, porque estão à procura de alimentos. Geralmente, o afloramento é comum no Verão; é a razão pela qual vamos à praia e a água está gelada, porque vem rica em nutrientes da profundidade”, diz Nuno Queiroz. “Os tubarões não estão na costa pela temperatura em si, porque há espécies que gostam de águas quentes e há outras que gostam de águas frias, mas pelo alimento”, acrescenta.

O upwelling existe em muitas partes do mundo, como no Chile, na Namíbia, em Angola e em Portugal. Quando este fenómeno ocorre, é acompanhado por uma frente térmica, uma zona onde duas massas de ar com temperaturas e densidades diferentes chocam.

Os tubarões passam muito tempo a explorar frentes térmicas, explica o biólogo. No Algarve, um dos lugares onde é mais fácil avistar tubarões, há uma frente que existe ao longo do ano. Antigamente, os pescadores à caça de tubarões levavam um termómetro no barco para ver onde as variações de temperatura eram mais fortes. Agora, a monitorização é feita com satélites.

“Os pescadores sabem que a probabilidade de apanhar um animal é maior nestas zonas. Há frentes, como a do Algarve, que são persistentes, mas todos os dias se formam centenas ao longo da costa”, observa Nuno Queiroz. Portugal é o segundo maior exportador mundial de carne de tubarão, segundo a associação ambientalista ANP/WWF.

O cientista afirma que os avistamentos de tubarões são cada vez mais frequentes. “Parece haver um aumento de avistamentos perto da costa, o que não era muito normal antigamente. Pode haver muitas razões para isto: as espécies podem agora ser mais abundantes, a população de tubarões pode estar a movimentar-se muito mais perto da costa ou também pode haver um maior número de pessoas a vê-los. Como há mais gente na praia no Verão, acabam por ver mais tubarões. Aliás, havia uma espécie, o tubarão-frade, que se dizia antigamente que hibernava no Inverno, porque no Verão eram tão comuns e no Inverno ninguém os via, mas isso não é verdade”, explica Nuno Queiroz.

Os tubarões nadam em águas dentro de temperaturas específicas, que variam de acordo com a preferência de cada espécie. Portanto, o aquecimento global e as subsequentes mudanças de temperatura dos oceanos poderão vir a determinar quais as espécies de tubarões que nadam nas costas portuguesas. Portugal não será uma das zonas mais afectadas por este fenómeno, mas poderá sentir alguns efeitos.

“Normalmente, o limite dos tubarões está marcado por uma temperatura muito mais fria ou muito mais quente do que a que se encontra aqui [em Portugal]”, observa o investigador. “O que está a acontecer na maior parte das espécies é que o seu limite, sobretudo o de água fria, está a ir cada vez mais para norte, portanto há tubarões que estão a ir mais para o norte. Há espécies que têm o limite sul perto daqui, como o tubarão-frade; então, no futuro, podem desaparecer da costa sul portuguesa”, acrescenta. Os efeitos causados pelo desaparecimento de um tubarão ainda não são bem conhecidos. Por outro lado, daqui a 50 ou 100 anos e também por causa das mudanças de temperatura, poderão vir a aparecer na costa portuguesa tubarões de águas mais tropicais.

“Normalmente, há poucos ataques não provocados”

A maior parte dos tubarões presentes nas costas portuguesas não representa um perigo para os banhistas. Estes predadores raramente nadam para além da rebentação, perto da praia. Nas poucas ocasiões em que se aproximam, “não estão nada preocupados com as pessoas”, refere Nuno Queiroz.

O investigador do Cibio afirma que os tubarões são animais curiosos, “mas também muito cautelosos”. O perigo de um ataque é quase nulo. Em todo o mundo, são raros os tubarões que atacam banhistas exclusivamente para os comer. Aliás, em Portugal, segundo Nuno Queiroz e o International Shark Attack File (Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões, em tradução livre), não há ataques não provocados oficialmente registados.

No entanto, é importante ter precauções. Não é recomendável estar na água quando há pouca visibilidade, como à noite ou nas horas de pouca luz, momentos em que os tubarões estão mais activos. “Durante o dia, quando há luz, o tubarão reconhece que os banhistas não são a sua presa normal e acaba por ignorá-los completamente. Há áreas onde os tubarões podem nadar no meio das pessoas sem elas perceberem que os animais lá estão”, afirma Nuno Queiroz.

O biólogo também explica que, ainda que existam espécies que podem ser mais perigosas do que outras, “normalmente, há poucos ataques não provocados”. Entre as espécies que podem ser vistas em Portugal, a que ataca com mais frequência é o tubarão-ama, que costuma estar no fundo do oceano. “É um tubarão bastante lento, as pessoas vão lá e puxam a cauda do animal ou tiram fotos de perto e, portanto, o animal acaba por se sentir atacado”, explica o biólogo. Em caso de avistamento de um tubarão, o mais recomendável é sair da água com calma, já que, alerta o cientista, sons e movimentos bruscos podem tornar o animal “ainda mais curioso”.

Texto editado por Ana Maria Henriques

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