Verão de 2023 no Hemisfério Norte foi o mais quente em 2000 anos

Anéis de árvores do Hemisfério Norte permitiram verificar que o Verão passado foi o mais quente dos últimos dois milénios. Mas El Niño pode fazer o Verão de 2024 bater novo recorde, diz cientista.

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Um turista tenta arrefecer-se durante uma onda de calor em Espanha, em Agosto de 2023 JON NAZCA/Reuters
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Os meses de Junho, Julho e Agosto de 2023 no Hemisfério Norte foram os mais quentes dos últimos dois milénios, com a temperatura média do Verão de 2023 a ultrapassar em 2,2 graus Celsius a temperatura média de Verão para o período entre o ano um e o ano 1890 da era comum, de acordo com a investigação publicada nesta terça-feira pela revista Nature. A investigação serviu-se dos anéis das árvores para obter esta comparação e tem o mérito de tornar evidente a tendência crescente das temperaturas mundiais, que culminou no recorde térmico de 2023.

“Estamos a inserir o extremo de temperaturas de 2023 num contexto de longo prazo, os últimos 2000 anos”, explicou Jan Esper, primeiro autor do artigo e cientista climático da Universidade de Johannes Gutenberg, em Mainz, na Alemanha. “Para fazer isso, é necessária uma reconstrução passada das temperaturas que tenha uma resolução anual e a única medida indirecta que pode providenciar isso são os anéis das árvores da era comum dos últimos 2000 anos”, explicou o investigador aos jornalistas, durante uma videoconferência.

Só a partir do século XIX é que houve uma medição consistente das temperaturas e de outros parâmetros meteorológicos, com o uso de instrumentos, que permite observar a evolução recente do clima na Terra. Estas medições são fundamentais para compreender o impacto das emissões de gases com efeito de estufa de origem humana, devido à queima de combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, que desde o início da revolução industrial estão a transformar o clima terrestre, aquecendo o planeta e aumentando a intensidade de vários fenómenos climáticos.

O patamar de segurança de 1,5 graus do aumento médio da temperatura global, estipulado pelo Acordo de Paris e pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês) – e que quase foi ultrapassado em 2023 –, é definido em relação à temperatura média planetária do período pré-industrial. No entanto, esse valor da temperatura média pré-industrial foi obtido usando as temperaturas medidas entre 1850 e 1900.

Embora os primeiros passos da revolução industrial tenham ocorrido ainda durante o século XVIII, o IPCC chegou à conclusão que a consistência das medições meteorológicas necessária para o estudo climático só existe a partir da segunda metade do século XIX. Além disso, naquela época, a quantidade das emissões carbónicas humanas e os seus efeitos no clima eram ainda pouco significativos, o que permitiu usar aquelas sequências de temperaturas para extrapolar o clima pré-industrial do planeta.

No entanto, 50 anos é um período muito pequeno para incluir todas as variações naturais climáticas que o planeta sofre, causadas por fenómenos astronómicos e planetários, como as grandes erupções vulcânicas que provocam anos mais frios a curto prazo. Por isso, investigadores como Jan Esper têm tentado recorrer a outros marcadores para analisar o clima da Terra no passado. Os anéis de crescimento das árvores são bons para essa análise porque produzem registos anuais do ambiente onde cada árvore se insere.

Verões quentes e frios

No Hemisfério Norte, entre os 30 e os 90 graus de latitude, os anéis das árvores têm um crescimento marcadamente sazonal, muito maior durante os meses de Verão, o que permite obter informação acerca da temperatura média da estação quente para cada ano. O artigo publicado esta semana na Nature compara por isso a temperatura média dos três meses de Verão de 2023 (a nível da ciência do clima, consideram-se Junho, Julho e Agosto os três meses de Verão), em toda a massa terrestre acima da latitude de 30 graus, com as temperaturas médias de Verão dos últimos dois milénios e é a continuação do trabalho anterior feito pela equipa sobre este tema.

No artigo, mostra-se que o Verão pré-industrial mais quente no Hemisfério Norte foi o de 246, com uma temperatura 0,88 graus acima da média entre 1850 e 1900. Por contraste, o Verão mais frio foi o de 536, com uma temperatura -1,86 graus em relação à média entre 1850 e 1900. Aquele ano, aparentemente muito rigoroso, ocorreu após uma importante erupção vulcânica, explicam os autores do artigo. Estas erupções tendem a encher a atmosfera de partículas, diminuindo a energia solar que atinge a superfície terrestre e arrefecendo as temperaturas. Já o ano de 2023, por comparação, foi 2,07 graus mais quente do que a média entre 1850 e 1900.

Se se comparar o Verão do ano de 2023 com o do ano de 246, o mais quente dos últimos dois milénios antes da revolução industrial, encontra-se uma diferença de 1,19 graus. Mesmo se se tiver em conta o limite superior do intervalo de incerteza de 95% para a anomalia da temperatura média de Verão do ano de 246, cujo valor é de 1,5 graus, ainda assim, os três meses quentes de 2023 foram 0,57 graus mais quentes do que aquele longínquo Verão do Hemisfério Norte.

“Não estou surpreendido”, diz Jan Esper, referindo-se aos resultados obtidos no estudo. Embora o investigador não estivesse à espera dos recordes de 2023, a ciência previa a tendência de aumento das temperaturas que se tem observado. “Estou a fazer isto há 30 anos e isto é exactamente o que se esperava”, afirma.

Efeito El Niño

A segunda parte do estudo da Nature debruçou-se sobre o efeito do fenómeno climático El Niño nesta subida de temperaturas do Verão do Hemisfério Norte. Este fenómeno ocorre de tempo a tempo, quando há o aumento da temperatura média das águas superficiais da região Oriental do oceano Pacífico, que produz efeitos diversos em todo o globo, mas costuma aumentar as temperaturas do planeta.

A meio de 2023, iniciou-se um novo El Niño que deverá terminar em Junho. O El Niño anterior ocorreu em 2016, mas o artigo avalia o impacto destes fenómenos desde 1965. Na maioria dos casos, cada El Niño está associado a um aumento significativo das temperaturas do Verão, principalmente nos últimos 30 anos, como se ocorressem grandes passos onde o impacto do efeito de estufa nas temperaturas se soma ao efeito do aquecimento das águas do Pacífico. “Não sei quando é que o próximo passo vai ocorrer, mas não me surpreenderia se houvesse um enorme passo nos próximos dez a 15 anos”, refere Jan Esper.

Já Max Torbenson, outro autor do artigo, que pertence à mesma universidade de Esper, explica que a surpresa pode ocorrer já este ano, dado que as consequências do El Niño ainda se vão prolongar. O Verão de “2024 pode ter um salto ainda maior”, diz o investigador, que também participou na videoconferência. Os últimos meses têm atingido recordes sucessivos de temperaturas.

Para Jan Esper, estes resultados mostram a importância de se fazer uma mudança urgente no consumo de energia. “É muito preocupante. Acho que o aquecimento global é uma das maiores ameaças”, diz o investigador. “Quanto mais tempo esperarmos [por uma mudança], mais caro e mais difícil vai ser mitigar ou até parar e reverter este processo. Isto é tão óbvio. Devíamos fazer o máximo possível, o mais cedo possível”, conclui.

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