Cuidado! A casa para pássaros do seu quintal pode ser uma armadilha mortal

As caixas-ninho e as estruturas mal concebidas podem atrair predadores ou sobreaquecer as crias, entre outros riscos. Eis um guia para criar alojamentos de primeira classe para as aves.

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Bird house hanging from the tree with the entrance hole in the shape of a heart. Matej Kastelic/ GettyImages
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Eu queria construir uma casa de primeira classe. Suficientemente pequena para ser acolhedora, mas suficientemente grande para criar uma família. Precisava de um local ideal, perto de uma zona arborizada, com um supermercado natural nas proximidades. E o design deveria ser simples, feito inteiramente de madeira. Embora estivesse preocupado com o custo, não precisava de estar. Acabei de construir a minha com cerca de cinco dólares em materiais, numa tarde.

Em breve, espero, a minha nova casa acolherá uma família da espécie trepadeira-pigmeia, pequenas aves com asas cinzentas e um chamamento agudo que faz lembrar o apertar de um patinho de borracha.

Os seres humanos são conhecidos por destruírem o habitat dos nossos vizinhos selvagens. Mas podemos ser excelentes a criá-lo. A minha nova casa para pássaros é apenas um exemplo. Depois de décadas a estudar as suas aves, os ornitólogos conceberam estruturas que satisfazem as necessidades de centenas de espécies, desde caixas para as corujas-das-torres até simples cestos para rolas-carpideiras, colocados nos ramos das árvores.

As aves, como já deve ter ouvido, estão em apuros. As aves da América do Norte registaram uma perda impressionante de três mil milhões de adultos reprodutores, ou seja, quase 30% da população, ao longo do último meio século, de acordo com dados do North American Breeding Bird Survey e de outros estudos sobre a vida selvagem.

Os seres humanos retiraram da paisagem as árvores grandes e mortas onde as aves que nidificam em cavidades fazem as suas casas. Isto deixou muitas aves sem abrigo em habitats que, de outra forma, seriam adequados para elas. Embora encontrar um abrigo não seja o único desafio para as aves - pesticidas, predadores introduzidos, perda de habitat e colisões com vidros ocupam um lugar de destaque -, mais e melhores casas podem fazer abrandar as perdas e ajudar as populações em declínio a recuperar.

“As caixas-ninho são especialmente importantes em habitats onde faltam muitas árvores”, afirma Jack Dumbacher, conservador de ornitologia da Academia de Ciências da Califórnia. “A maior parte das áreas urbanas e suburbanas poderia sem dúvida usá-las.”

Mas as coisas podem correr mal. As caixas-ninho e as estruturas mal concebidas podem atrair predadores, sobreaquecer as aves bebés ou encorajar a sobrelotação. Isto leva a que as aves ignorem e abandonem potenciais casas ou, pior ainda, entrem em armadilhas mortais.

Eis um guia para criar alojamentos de primeira classe para as aves.

O que é uma caixa-ninho?

As caixas-ninho ou casas para pássaros recriam habitats proporcionados por cavidades em árvores mortas para nidificação, empoleiramento e poleiro. Nem todas as aves precisam de caixas-ninho. Na América do Norte, apenas cerca de 85 espécies, menos de metade das que vivem tipicamente em florestas naturais, utilizam cavidades. Mas, para muitas, estes abrigos podem ser essenciais para a sua sobrevivência.

Centenas de outras espécies de aves que não fazem os seus ninhos em cavidades podem ainda assim utilizar estruturas de algum tipo, desde prateleiras montadas na parte lateral da sua casa a plataformas elevadas a centenas de metros de altura para aves de rapina.

O exemplo do sucesso das casas para aves são os pássaros azuis orientais, uma espécie semelhante aos pintarroxos, mas com plumagem azul e garganta cor de ferrugem. Em meados do século XX, as populações desta ave canora estavam em declínio em todo o país, sendo substituídas por estorninhos europeus e pardais-domésticos, espécies introduzidas agressivas.

Mas as campanhas de construção de caixas-ninho na década de 1960, muitas vezes concebidas para dissuadir o estorninho europeu, de maiores dimensões, com aberturas ligeiramente mais pequenas, atenuaram esta concorrência. Desde então, o número de aves azuis orientais [ou azulino oriental] tem vindo a recuperar e a população reprodutora global é de cerca de 23 milhões.

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Pássaro azul oriental

Actualmente, se construirmos uma caixa para pássaros azuis de manhã, os pássaros podem voar para ela no mesmo dia, diz Robyn Bailey, que gere a investigação e a educação do programa NestWatch do laboratório Cornell.

Mas imitar os habitats naturais - copas de árvores ou buracos que podem levar mais de um século a desenvolver-se - nem sempre é fácil. Mesmo diferenças mínimas - tão pouco como três milímetros na largura do buraco de entrada - podem significar a diferença entre excluir uma espécie e acolher outra.

Os materiais também são importantes. Os primeiros modelos eram por vezes feitos de plástico, madeira tratada quimicamente ou outros materiais nocivos. Alguns podem sobreaquecer, enquanto outros oferecem acesso fácil a pragas ou predadores, como gatos selvagens, outros mamíferos e cobras. No pior dos casos, tornam-se “armadilhas ecológicas”, estruturas que atraem espécies com a promessa de um lar seguro para nidificar, mas que acabam por prejudicar a sobrevivência dos animais.

Dumbacher lembra-se de uma fila de caixas-ninho de pássaros azuis orientais, uniformemente espaçadas e expostas ao longo da linha de vedação de um agricultor, que se tornaram presa fácil para um urso. O animal destruiu toda a fila. Por isso, Jack Dumbacher recomenda que as caixas-ninho não sejam colocadas muito próximas umas das outras e que se possa proporcionar uma camuflagem mais natural.

Fazer as coisas correctamente não tem de ser difícil - se se souber como. Felizmente, existe o NestWatch.

O programa de monitorização de aves recorre a voluntários para seguir mais de 282 mil ninhos, oferecendo aos ornitólogos informações essenciais sobre o local onde as aves põem os ovos e o sucesso das suas crias. Também oferece uma ferramenta para encontrar a casa certa para a ave certa na sua vizinhança, sugerindo até plantas para que se possa tornar um mestre arquitecto do mundo das aves.

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O projecto levado a cabo por Michael J. Coren

Como construir uma caixa-ninho

Comecei por fazer uma visita virtual às características de uma casa de pássaros idealizada, com um telhado inclinado, pisos rebaixados, orifícios de drenagem e ventilação e entradas protegidas contra predadores. Depois, abri a ferramenta interactiva do NestWatch, acrescentando o meu código postal e a paisagem local, para gerar uma lista de aves adequadas e o seu alojamento ideal.

Segui os passos de forma simples. Escolhi uma das minhas aves favoritas, a rola-carpideira, cujo triplo melódico - coo-oo, coo-oo, coo-oo - é a banda sonora da minha infância. A espécie está num misterioso declínio, mas estas aves são fáceis de acolher.

Com base neste projecto, recortei um círculo simples de malha de arame a partir de tecido de ferragens (disponível em qualquer loja de ferragens) e, em seguida, cortei um pedaço em forma de tarte. Juntando as extremidades, formei um cone, que serve de cesto de nidificação. Para terminar a casa, um macho traz galhos, agulhas de pinheiro e caules de relva para a fêmea, que tece um ninho frágil com os materiais. Os pais passam cerca de um mês a incubar os ovos e a alimentar os recém-nascidos antes de estes voarem sozinhos.

Coloquei-o na parte de trás de um ramo de árvore, fixando-o com arame (embora as rolas façam os seus ninhos no meio da folhagem, nas calhas, nos beirais ou no chão). Se quisesse convidá-las a nidificar nas paredes da minha casa, poderia colocar esta prateleira de ninhos, adorada também por pombos e andorinhas.

Mas eu tinha planos mais grandiosos. Para o meu próximo projecto, escolhi uma caixa-ninho clássica: um recinto de madeira com quatro paredes e um tecto que pode acolher uma variedade de espécies. Utilizando um único pedaço de madeira de um metro e meio que sobrou de uma remodelação, serrei e preguei seis peças para fazer um palácio de pau-brasil de 28 por 20 centímetros. O orifício de entrada, com precisamente 1,5 centímetros de diâmetro, pode acolher as carriças, os chapins ou as poupas, mas exclui os pardais-domésticos maiores, uma espécie europeia concorrente.

Tenciono montá-la num poste para maior protecção, embora qualquer árvore viva ou morta sirva, e instalar películas ou marcas de vidro amigas das aves para evitar as atinjam.

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Pronto para a mudança

Foi muito difícil construir uma caixa-ninho? Bastante fácil. Todo o processo demorou um pouco mais de uma hora.

Quanto é que custou? Cerca de cinco dólares (4,60 euros). Tudo o que utilizei estava na minha garagem ou foi-me emprestado. As bibliotecas de ferramentas também são excelentes. Se comprar tudo o que precisa novo, pode ficar caro. Mas, se se juntar a vizinhos e dividir os custos, o projecto pode ser uma aventura de fim-de-semana barata, especialmente para as crianças.

O que é que se segue? Quem me dera ter construído as minhas casas para pássaros anos antes. Mas, com a maioria das espécies a começar a nidificar agora na Primavera, esta é a altura ideal para construir um império imobiliário para aves.

Primeiro, vou ver quem se muda para as minhas duas casas existentes, juntar-me ao NestWatch para contribuir com as minhas descobertas e talvez até instalar uma câmara para ver as gerações de aves a nascer.

Depois de ter fornecido o abrigo, vou concentrar-me na alimentação. Em muitos locais, as aves sofrem com a escassez de plantas e insectos comestíveis. As alterações climáticas estão a fazer com que as plantas floresçam e frutifiquem mais cedo, alterando o calendário do fornecimento de alimentos e prejudicando potencialmente as aves migratórias e as que nidificam mais tarde.

O meu projecto em curso, que consiste em transformar uma parte do meu quintal numa profusão de plantas nativas, deverá ajudar a atrair insectos e a abastecer o buffet. A criação de uma única ninhada de pintainhos pode exigir nove mil lagartas.

Se ainda precisar de mais projectos, passarei à arquitectura avançada das aves: os espaçosos alojamentos de uma coruja-das-torres.