Casimiro de Brito (1938-2024): uma poesia da exaltação erótica

O poeta algarvio morreu esta quinta-feira em Braga, onde vivia há alguns anos e continuava a publicar a um ritmo impressionante. Foi um dos participantes na mítica obra colectiva Poesia 61.

Foto
Poeta Casimiro de Brito fotografado em Querença, no seu município natal de Loulé, Algarve vasco célio/arquivo
Ouça este artigo
00:00
05:08

O poeta Casimiro de Brito morreu esta quinta-feira, aos 86 anos, em Braga, onde residia desde 2020, disse à Lusa a filha do escritor, Sílvia Brito. Com mais de meia centena de títulos publicados, foi também ficcionista e ensaísta, mas notabilizou-se sobretudo pela sua poesia, marcada por uma exaltante dimensão erótica, que se cruza com o seu interesse pela mística oriental, com preocupações de ordem política e social, e com uma indagação da própria linguagem poética que o aproxima de alguns dos poetas com quem partilhou a mítica edição colectiva Poesia 61.

Tinha 19 anos quando publicou o seu primeiro livro, Poemas da Solidão Imperfeita (1955-1957), a que se seguiram, ainda nos anos 50, Sete Poemas Rebeldes e Carta a Pablo Picasso (1958) e Telegramas (1959), onde já se insinua o seu fascínio por uma poética da concisão que depois se reflectirá nas suas versões de haikais japoneses em Poemas Orientais, de 1963, e nas compilações de aforismos que começa a publicar no final dos anos 80. "Qual/de mim/ flutua/ nas águas do espelho?/Mentes/ imagem nua/ a nada me assemelho", escreve num dos desses "telegramas" de 1959.

Em 1961 participa com Canto Adolescente na já referida Poesia 61, uma justaposição de cinco livros autónomos que teve um impacto considerável na poesia portuguesa dos anos 60 e 70, e que inclui ainda títulos de Maria Teresa Horta (a centralidade do erotismo é um ponto em comum com a poesia de Casimiro de Brito), Fiama Hasse Pais Brandão, com quem partilha uma certa componente mística, Luiza Neto Jorge e Gastão Cruz.

Na segunda metade dos anos 60 acentua-se na sua poesia a componente de denúncia política. Em Jardins de Guerra (1966), um rio serve-lhe de metáfora para descrever um país irrespirável e a esperança num futuro livre: "Este rio ninguém sabe/ onde começou. Algumas aves apodrecidas/ nos lemes, nos galhos das árvores. Ossos/ desenvolvidos/ em pequenos vermes. Ruínas. (...) Palavras/ sem amor. Rosas cobertas de pó./ O ar que se respira - a morte./ Este rio ninguém sabe/ onde começou. Há no entanto quem pense/ que vai/ amanhecer". Em Vietname, em Nome da Liberdade, publicado logo no ano seguinte, o título é já demasiado explícito para os filtros da censura, que apreendeu a edição.

Mesa do Amor (1970), Negação da Morte (1974), o mais experimentalista Zen: Zénites (1979), Labyrinthus, que venceu o prémio de poesia da Associação Portuguesa de Escritores, Regresso à Fonte (1985), Subitamente o Silêncio (1991), Opus Affettuoso seguido de Última Núpcia (1997), ou ainda o volume de aforismos Da Frágil Sabedoria (2001), são outros exemplos de uma extensa obra poética, presente nas principais antologias de poesia portuguesa, traduzida em várias línguas, e premiada em Portugal e no estrangeiro.

O banco e a escrita

Nascido em Loulé, a 14 de Janeiro de 1938, Casimiro de Brito passou a infância no Algarve, onde estudou na Escola Industrial e Comercial de Faro. Dirigiu várias colecções e revistas de poesia, designadamente os Cadernos do Meio Dia, com António Ramos Rosa, e os cadernos Outubro, Fevereiro e Novembro, com Gastão Cruz, nos quais participaram com conjuntos inéditos alguns dos principais poetas da época, de Carlos de Oliveira e Sophia a Herberto Helder ou António Franco Alexandre.

Em 1958, frequentou o Westfield College, em Londres, e viveu algum tempo na Alemanha no final dos anos 60, antes de se fixar em Lisboa, em 1971, onde conciliou um emprego como bancário com uma intensa actividade literária e cultural. Foi vice-presidente da Associação Portuguesa de Escritores e presidente do PEN Clube Português. Além da poesia, escreveu crítica literária na imprensa e publicou obras de ficção, como Imitação do Prazer (1977), Pátria Sensível ou Que Fazer do Corpo Com Seus Rios, Margens & Afluentes (1983), ou ainda o recente romance Uma Lágrima que Cega (2018), que se apresenta como "uma peregrinação lúcida e erótica a todos os santuários do amor" e o relato de "um amor lunático e antropófago".

Em 2008, o escritor foi agraciado com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, e em 2016 foi homenageado em Querença, no seu município natal de Loulé, pela Fundação Manuel Viegas Guerreiro, no âmbito do festival literário FLIQ, que lhe dedicou a exposição Entre Mil Águas - Vida Literária de Casimiro de Brito.

A Glaciar publicou em 2020 uma compilação de toda a sua poesia publicada até ao ano 2000. E nestes últimos anos continuou a lançar novos livros, publicados pela chancela bracarense Razões Poéticas e apoiados pela Câmara de Loulé, como No Amor Tudo se Move (2021), Amor Nu (2021) ou Regresso à Ilha (2022), entre vários outros títulos.

O corpo do poeta vai estar em câmara ardente no Cemitério de Montes Claros, em Braga, entre as 9h30 e as 11h30 de sábado.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários