Como as cheias devastaram em poucos dias o Rio Grande do Sul

Cheias de dimensão histórica afectaram mais de dois milhões de pessoas, poucos meses depois de outras grandes inundações terem atingido a mesma zona. Eis a cronologia dos acontecimentos.

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Cena de resgate de um cão em Canoas, subúrbio de Porto Alegre Sebastiao Moreira / EPA
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O último balanço das autoridades brasileiras mostra a dimensão histórica das cheias no Rio Grande do Sul, as segundas em menos de um ano a atingir grandes proporções. Até esta quinta-feira, às 18h (22h em Portugal), estavam confirmados 151 mortos e 806 feridos, mais de 540 mil desalojados e 2,2 milhões de afectados em 461 municípios. Há quase 78 mil pessoas em abrigos e ainda 104 desaparecidas.

Na capital do estado, Porto Alegre, a água do lago Guaíba atingiu o nível de 5,35 metros de altura a 5 de Maio, ultrapassando o pico histórico registado nas cheias de 1941. Tem estado a descer lentamente, situando-se, na quinta-feira, nos 4,86 metros. Habitualmente, o nível da água naquele lago anda na casa de um metro.

Dezenas de bairros da cidade continuam alagados, mais de meia centena de estradas estão cortadas e falta o abastecimento de água potável e electricidade em muitas zonas. No estado, há ainda seis rios com níveis de água acima da cota de inundação e apenas um desceu já para um patamar que apenas requer “atenção”.

De seguida, o PÚBLICO detalha a cronologia deste evento climático extremo, que numa questão de dias fez estragos de monta.

26 de Abril

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) do Brasil faz o primeiro alerta de que “temporais localizados vão atingir partes do Rio Grande do Sul” nos dias seguintes, devido ao “aumento das temperaturas e da humidade”, a que se junta “a passagem de uma frente fria”.

29 de Abril

Depois de dois dias de chuva intensa no estado, onde algumas zonas registaram mais de 150 milímetros de precipitação em apenas 24 horas, são já dezenas os municípios do interior onde há estradas bloqueadas, deslizamento de terras, inundações em casas e serviços públicos comprometidos.

Registam-se, segundo a BBC Brasil, as primeiras cinco mortes provocadas pelas cheias. O Inmet emite um alerta vermelho de chuva para quase todo o estado.

30 de Abril

A precipitação contínua faz aumentar o caudal dos rios de forma significativa. Em Santa Maria, uma localidade no interior do estado, o rio Vacacaí-mirim, que geralmente pouco mais é do que uma ribeira larga, ganha uma tal dimensão que a força da água faz desabar uma ponte rodoviária. O momento do colapso foi captado em vídeo pelo radialista Luciano Zanini Guerra.

O governo estadual decide reunir um gabinete de crise e determina que a prioridade é resgatar as muitas pessoas que se encontram encurraladas pela água.

1 de Maio

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, avisa a população de que a situação de cheias em curso “deverá ser pior que a de 2023”. Em Setembro e Novembro do ano passado, o estado já tinha sido fustigado por inundações que provocaram 54 mortos.

No mesmo dia, já com dez mortos contabilizados e mais de uma centena de municípios afectados, Eduardo Leite decreta estado de calamidade pública.

3 de Maio

A água do lago Guaíba, que banha a cidade de Porto Alegre, ultrapassa os cinco metros de altura e supera, assim, o nível recorde que existia desde 1941, que era de 4,76 metros.

Mais de 4600 pessoas são resgatadas e encaminhadas para abrigos temporários. Pelo menos duas barragens estão em situação crítica e podem desmoronar-se a qualquer momento.

5 de Maio

O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, faz a sua primeira deslocação ao estado, cujo governador apela a donativos nacionais e internacionais. “É um cenário de guerra no estado. E, como cenário de guerra, vai ter que ter também um pós-guerra”, disse Eduardo Leite, defendendo, assim, um plano de recuperação de larga escala.

No mesmo dia, o lago Guaíba atinge o seu nível mais elevado (5,35 metros), começando a descer lentamente desde aí.

O aeroporto de Porto Alegre encerra e, segundo o jornal regional Gaúcha Zero Hora, só deverá reabrir em Setembro.

6 de Maio

Contabilizados 83 mortos e mais de 121 mil desalojados, a chuva abranda ligeiramente e permite aos moradores de algumas localidades afectadas fazer limpezas e tentar recuperar um pouco as suas casas.

8 de Maio

A situação meteorológica volta a deteriorar-se e o Inmet emite um aviso de que as chuvas fortes vão regressar. Atinge-se a barreira dos 100 mortos e o número de pessoas afectadas pelas cheias ascende a quase 1,5 milhões.

12 e 13 de Maio

A precipitação volta a ser muito intensa em zonas do estado que já antes tinham sido atingidas. Em Estrela, uma localidade do vale do Taquari – um rio que chegou a ter um nível de 33 metros, mais do dobro do habitual –, o Jornal Nacional da Globo encontrou um morador, Gabriel, que passara os dias anteriores a lavar e limpar a casa. Mas na terça-feira, ao tentar regressar a casa, deparou com a sua rua novamente transformada num rio e não conseguiu sequer atravessá-la.

Outro habitante da cidade passou pelo mesmo, mas mostrou-se optimista. “Estava praticamente tudo pronto, limpo”, descreveu Wilson Scheibel. “Voltou a chover, entrou água de novo. Se nós trabalhámos sete dias para limpar, podemos trabalhar mais sete...”, garantiu.

15 de Maio

Com a chuva finalmente a parecer querer dar tréguas mais duradouras, já só está uma barragem em risco de colapso e o nível do lago Guaíba continua a descer, embora se mantenha acima dos cinco metros.

Lula da Silva esteve no Rio Grande do Sul, onde anunciou apoios estatais à reconstrução.

Para ajudar nos esforços de busca e salvamento das muitas pessoas que permanecem isoladas, o estado decidiu convocar 260 polícias aposentados e 100 bombeiros na reserva. Mais de 20 mil militares do Exército brasileiro estão já no terreno.

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