Mulheres e crianças primeiro

Ou não há solução ou não há vontade para garantir do funcionamento de alguns dos serviços de urgência do SNS.

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“Mulheres e crianças primeiro” é uma expressão que se refere a um código de conduta que data de 1852, no qual as vidas de mulheres e crianças deveriam ser salvas primeiro em situações que ameaçam a vida, como o abandono de um navio quando os recursos de sobrevivência são limitados. Este conceito ficou famoso após o naufrágio do Titanic em 1912, mas não está consagrado no direito marítimo. Atualmente, em evacuações de situações de desastres, as pessoas geralmente ajudam os mais vulneráveis primeiro, que podem incluir os feridos, idosos e crianças pequenas. No entanto, um estudo realizado por pesquisadores suecos analisou 18 desastres marítimos ao longo de três séculos e descobriu que, em muitos casos, as mulheres têm uma taxa de sobrevivência menor que a dos homens, sugerindo que o comportamento humano em situações de vida ou morte pode ser mais adequadamente descrito pela expressão “cada um por si”.

Mas proteger mulheres e crianças continua a ser uma responsabilidade de todos nós, nomeadamente os que alistaram na saúde. A segurança e o bem-estar de mulheres e crianças são fundamentais para o desenvolvimento saudável de qualquer sociedade e cada um de nós tem um papel a desempenhar para garantir que eles sejam protegidos.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) de Portugal tem várias iniciativas para a defesa das mulheres e crianças. A legislação portuguesa define que todas as grávidas têm direito a consultas de vigilância da gravidez gratuitas, mas as dificuldades são enormes, nomeadamente para as que não têm médico de família. As grávidas têm direito a um acompanhante durante a vigilância pré-natal e no parto e até mesmo dentro de uma ambulância de emergência médica, mas, infelizmente, às vezes não dispõem de um bloco de partos disponível para as assistir num dos momentos mais importantes da sua vida.

Existem, portanto, leis específicas para proteger as grávidas, puérperas ou lactantes. Estas iniciativas demonstram alguma preocupação do SNS na defesa das mulheres e crianças em Portugal. Mas nenhuma lei garante o direito de “dar à luz” em segurança num bloco de partos, ou até mesmo de uma criança ser assistida, por um pediatra, num Serviço de Urgência Pediátrico.

Aceitámos pacificamente o encerramento rotativo dos blocos de parto e dos serviços de urgência pediátrico, com a premissa que o SNS funciona em rede e que a qualidade e segurança das mulheres e crianças estão garantidas. Entretanto houve um aumento no número de partos em ambulâncias em Portugal, mulheres e crianças são transportadas centenas de quilómetros entre unidades de saúde, contrariando o princípio fundamental da equidade em saúde.

Os partos fora do hospital podem apresentar vários riscos, tanto para a mãe quanto para o bebé. A evidência científica diz-nos que algumas complicações só podem ser resolvidas em ambiente hospitalar, tais como: o prolapso do cordão umbilical, descolamento da placenta, retenção da placenta, rutura uterina, hemorragias e outras tantas complicações inesperadas tanto na grávida, como no recém-nascido e que podem ter consequências devastadoras.

Ou não há solução ou não há vontade para garantir do funcionamento de alguns dos serviços de urgência do SNS, mas há notoriamente falta de coragem, para exigir uma reflexão sobre os nossos valores e princípios e nos quais a maioria dos portugueses foram educados, nomeadamente: o respeito pela dignidade da vida humana; o direito à saúde; a necessidade de proteção dos mais vulneráveis; a solidariedade entre todas as pessoas e a responsabilidade que temos de cuidarmos uns dos outros, especialmente em tempos de necessidades.

O SNS mudou de estratégia e utiliza agora o código de conduta “salve-se quem puder”.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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