Rumo a um Ordenamento do Espaço Marítimo mais sustentável e eficaz em Portugal

É imperativo adotar uma abordagem coordenada que integre considerações ambientais baseadas em conhecimento científico sólido.

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Matosinhos Anna Costa
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Na evolução do Ordenamento do Espaço Marítimo (OEM) em Portugal nos últimos 18 anos identificam-se, no seu todo, aspectos positivos e algumas debilidades. O processo de desenvolvimento e implementação do OEM destaca-se desde logo pelo conhecimento gerado sobre espaço marítimo nacional, com a primeira experiência portuguesa a antecipar a discussão sobre uma Directiva Europeia abrangendo o tema. Apesar disso, permanecem algumas fragilidades identificadas a nível de conceptualização, operacionalização e mesmo de conhecimento em escalas e temas específicos.

Desde a aprovação da primeira Estratégia Nacional para o Mar, em 2006, que o país tem demonstrado um compromisso firme com a implementação do OEM enquanto instrumento fundamental para uma gestão costeira e marítima integrada e adaptativa. Neste sentido, o desenvolvimento do Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo (POEM), entre 2008 e 2012, é considerado um marco importante, uma vez que através dele foi possível regular usos e actividades, actuais e futuros, nas vastas extensões marítimas sob a alçada do Governo português.

Em Abril de 2014, meses antes da publicação da Directiva Europeia sobre o OEM (Directiva 2014/89/UE), foi promulgada a primeira lei-quadro para o OEM em Portugal — Lei n.º 17/2014, que estabelece as bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional. Este enquadramento legal proporcionou uma estrutura para o desenvolvimento dos planos espaciais marítimos, com uma arquitectura mais abrangente e um sistema de OEM. No entanto, a opção legislativa gerou debate pelo desequilíbrio entre os objectivos económicos e as preocupações ambientais.

O “Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo” (PSOEM), desenvolvido no âmbito desta lei, foi publicado já no final de 2019 para as sub-áreas do Continente, Madeira e plataforma continental além das 200 milhas náuticas, mas encontra-se ainda em aprovação para a sub-área dos Açores – uma diferença de timings de aprovação reveladora do tipo de obstáculos que têm surgido ao longo do processo.

Foram feitos progressos, mas os desafios em relação à necessidade de coordenação entre as diversas entidades governamentais e partes interessadas, a alocação adequada de recursos, tanto financeiros, como humanos, bem como a integração dos diversos interesses e sectores marítimos, continuam a ser um entrave à eficaz implementação do OEM em Portugal.

De salientar que sendo o OEM uma competência própria do Estados-membros, a directiva apresenta uma formulação de natureza vaga e limitada no que respeita às instruções de operacionalização. Pretende-se assim acomodar as diferentes realidades dentro da UE. No entanto, as características apontadas à directiva não deixam de constituir um desafio à sua própria implementação.

Crucial para entender este problema é a salvaguarda do uso comum do espaço marítimo nacional, com especial atenção nas zonas costeiras, onde a intensidade da actividade é maior e onde as comunidades locais, nomeadamente as comunidades piscatórias, são directamente dependentes. Assim, a promoção da coexistência de diversos usos do espaço marítimo e a protecção de áreas sensíveis também são questões fundamentais e prioritárias.

Destaca-se ainda a importância da promoção da coexistência de múltiplos usos no espaço marítimo, bem como da salvaguarda de áreas protegidas, e a necessidade de abordar — e ultrapassar — desafios como a falta de uma cultura de participação pública, a integração de mecanismos operacionais de implementação entre diversas agências públicas, e o conhecimento incipiente sobre algumas áreas a serem geridas e/ou sobre características especificas do meio marinho.

Desta forma, e para superar estes desafios que identificámos, avançando em direcção a um OEM mais sustentável e eficaz em Portugal, é imperativo adotar uma abordagem coordenada que integre considerações ambientais baseadas em conhecimento científico sólido. Também a implementação de práticas de gestão e programas de monitorização, são estratégias que podem ser decisivas, a par da promoção da coerência e do ajuste das políticas públicas em relação ao ambiente marinho.

Apesar de sabermos que ainda há um longo caminho a percorrer, devemos celebrar os avanços alcançados em relação ao Ordenamento do Espaço Marítimo em Portugal. A construção de um OEM mais sustentável e eficaz requer um compromisso contínuo com a integração, coordenação e inovação, garantindo assim a preservação e o uso responsável dos preciosos recursos marítimos de Portugal para as gerações futuras.

Helena Calado (MARE-Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, Universidade dos Açores), em colaboração com
Catarina Frazão Santos (MARE, Universidade de Lisboa, Nova SBE),
Adriano Quintela (MARE),
Catarina Fonseca (MARE, Universidade dos Açores) e
Debora Gutierrez (Universidade dos Açores)

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