Porque defendemos o Estado Social

A ideia de que o Estado Social cria uma cultura de dependência não é correta. Os benefícios sociais não são generosos ao ponto de incentivar a inatividade. Apenas promovem mais equidade à partida.

Ouça este artigo
00:00
05:56

O Estado Social é uma conquista das sociedades contemporâneas que promovem justiça social. Na sociedade portuguesa, o Estado Social tornou-se um património político que devemos defender e promover. Para isso, as políticas públicas devem assentar nos princípios das social-democracias, que estiveram na base da sua criação. Numa social-democracia, as instituições políticas procuram estabelecer um equilíbrio entre a liberdade individual e a garantia do bem-estar social. Nestas sociedades, as desigualdades sociais são consideradas indesejáveis e iníquas, e compete ao Estado proteger os mais frágeis e desfavorecidos. O objetivo é criar uma sociedade menos desigual e mais justa, com oportunidades iguais e acessíveis para todos, independentemente da origem socioeconómica. Ao acomodarem uma diversidade de perspetivas sociais, políticas, culturais, religiosas e étnicas, as sociais-democracias primam também pela inclusão social, valorização e estímulo da participação democrática e cívica de todas as pessoas e organizações da sociedade civil.

Mas de que falamos concretamente quando nos referimos ao Estado Social? A sua origem remonta ao final da II Guerra Mundial, quando os Estados passaram a proporcionar às pessoas formas de enfrentar certos riscos sociais, como a doença, a velhice, o desemprego e os acidentes de trabalho, que outrora eram supridos na esfera privada e familiar.

Em Portugal, o Estado Social teve um nascimento tardio, já no final do Estado Novo. São 50 anos de evolução de políticas sociais, assinalando progressos, abrandamentos e retrocessos em muitos domínios, devido a ajustes relacionados com crises económicas e políticas, fenómenos sociais e diferentes perspetivas governativas sobre a despesa social. Falamos, então, dos serviços e políticas que permitem aos portugueses exercer os seus direitos sociais através:

  1. da disponibilidade de cuidados de saúde nos hospitais públicos, centros de saúde e clínicas convencionadas, e acesso a medicamentos;
  2. de um sistema de segurança social que comporta as pensões (velhice, invalidez e sobrevivência) e as prestações sociais (por exemplo: subsídio de desemprego, de invalidez, de doença, abono de família e licença parental);
  3. de medidas que favorecem o acesso a habitação condigna, segura e a preços acessíveis (por exemplo: habitação social, programas de apoio à habitação e abrigos/alojamento para as pessoas em situação de sem-abrigo);
  4. da possibilidade de estudar na escola pública, deste a educação pré-escolar ao ensino superior, incluindo bolsas e apoios financeiros;
  5. das respostas e programas sociais dirigidos a necessidades específicas (por exemplo: creches e centros de atividades de tempos livres para os mais novos, lares, centros de dia e serviços de apoio domiciliário para os mais velhos, respostas para pessoas com deficiência, apoio a vítimas de violência, programas de combate à pobreza e exclusão social como inserção social e apoio alimentar, e serviços para integração de imigrantes e refugiados);

6. da criação de ambientes seguros, acessíveis e sustentáveis.

Assumimos que o Estado Social procura quebrar ciclos de pobreza, garantindo condições mínimas para uma vida digna de todas as pessoas. Para isso efetua uma redistribuição da riqueza mais equitativa, apoiando as famílias e os grupos de pessoas que estão em situações menos favorecidas e com baixos rendimentos.

Contudo, a ideia de que um Estado Social favorece apenas os mais vulneráveis e economicamente desfavorecidos à custa das pessoas com mais rendimentos não é correta, pois não é de assistência social de que estamos a falar.

Falamos de proteção social, que reduz a incerteza e aumenta a segurança perante os constrangimentos sociais que nos podem afetar a todos, com serviços também disponíveis para todas as pessoas.

Falamos de medidas sociais como forma de investimento no bem-estar coletivo e na prosperidade geral. Porque uma sociedade mais equilibrada e menos desigual permite uma maior estabilidade social, criando ambientes mais seguros, com menos conflitos e menos criminalidade. Beneficiamos todos.

Falamos da criação de oportunidades. De permitir que todas as pessoas tenham capacidade e liberdade para realizar as escolhas que consideram essenciais para uma vida digna e para obter o que valorizam.

Falamos sobre alcançar o bem-estar social numa perspetiva de desenvolvimento humano, que ultrapassa a satisfação das necessidades básicas, dando às pessoas voz e poder de decisão sobre as suas vidas. E isso contribui para o progresso da sociedade.

Não podemos ignorar que a sustentabilidade do sistema de proteção social depende de fatores como o desenvolvimento económico. Mas o apelo à estabilidade económica e ao controlo do peso que a despesa social tem sobre os contribuintes não deverá permitir aumentar desmedidamente o papel do mercado na resposta aos riscos sociais, nem deverá passar apenas pela redução dos benefícios sociais. Importa também esclarecer que, se por um lado, o Estado Social tenta minimizar as desigualdades produzidas pelo mercado, por outro lado, reconhece a importância da iniciativa privada, complementando-se e beneficiando-se mutuamente, nunca concorrendo nem prejudicando as empresas.

Os cidadãos têm a responsabilidade de procurar ser autossuficientes, de ter um estilo de vida saudável, de fazer consumos equilibrados e de ser solidários. Mas, a ideia de que o Estado Social cria uma cultura de dependência dos programas sociais também não é correta. Os benefícios sociais não são generosos ao ponto de incentivar a inatividade. Apenas promovem mais equidade como ponto de partida. É claro que a autonomia e a responsabilidade individual podem (e devem) ser potenciadas, mas isso requer a capacitação das pessoas, com mais literacia financeira, mais literacia em saúde, mais oportunidades e mais liberdade de escolha. O sucesso destas medidas implica uma alteração do discurso e das mentalidades, com uma resposta pública de combate à discriminação e à indiferença perante as populações mais desprotegidas.

A sociedade portuguesa não sobreviveria ao desmantelamento do Estado Social, com um sistema de benefícios baseado na meritocracia. É importante que o Estado Social seja uma prioridade e que se dê continuidade aos ajustes necessários para enfrentar os desafios que decorrem de fenómenos como a demografia, a globalização e os fluxos migratórios.

Sugerir correcção
Comentar