Matthieu Paley, um nómada que fotografa comunidades sem fronteiras

Paquistão, França, Nova Iorque, Turquia, Hong Kong, Índia, Tajiquistão e, agora, Portugal. Há 20 anos que Matthieu Paley, colaborador regular da National Geographic, não tem morada certa, tal como as comunidades que fotografa. 

Pergunte-se a um vencedor de um World Press Photo, fotógrafo há duas décadas, colaborador regular da National Geographic, quando é que soube que podia viver da fotografia pela primeira vez e a resposta pode ser desarmante. “Acho que ainda duvido hoje em dia”, ri-se à gargalhada Matthieu Paley, para logo a seguir se recompor: “É esta a realidade de ser freelancer. Duvido do meu trabalho e duvido sempre do que irá acontecer nos próximos meses. A diferença é que agora sou mais confiante do que há 20 anos, quando comecei.”

Resposta mais curta: soube no Butão, em 2000, aquando da primeira missão para uma das mais relevantes revistas do mundo que, desde aí, já o vê como um dos fotógrafos da casa. “Senti que com a National Geographic tinha finalmente um nome grande com quem podia dizer que já tinha trabalhado. E estava pronto para me afirmar como fotógrafo.”

Nessa altura, Matthieu, agora com 45 anos, estava a viver no Norte do Paquistão depois de três anos a estudar Fotografia em Nova Iorque. Em França, onde nasceu, ficou o curso em Comércio Internacional, com especialização nos mercados asiáticos — porque não sabia "ainda" o que fazer; porque é o percurso “tradicional a seguir em França e tantos outros países”; porque era pela Ásia que queria viajar. Ainda na faculdade, aprendeu coreano e desde aí que as várias línguas que fala são “ferramentas essenciais do kit de fotógrafo” especialista em comunidades remotas e nómadas que construiu.

São elas que ajudam, também, a explicar a dispersão no mapa de trabalhos, viagens, casas, família que Matthieu tem vindo a traçar. Se tem o francês como língua nativa, no dia-a-dia o fotógrafo fala mais em inglês. É casado com uma mulher alemã e por isso fala alemão. O filho mais velho nasceu em Hong Kong e o segundo na Turquia, onde a família viveu sete anos , tempo suficiente para ele aprender turco. Outros cinco anos foram passados na Índia e no Paquistão, daí o hindi e o urdu que fala fluentemente. Trabalhou ainda com organizações não governamentais no desenvolvimento e protecção de regiões remotas nas montanhas no Tajiquistão e no Afeganistão, onde aprendeu uma língua local antiga que "é falada apenas por 60 mil pessoas".

Agora, o próximo capítulo lê-se em português — “é verdade, falo espanhol, esqueci-me dessa!" — e, espera, será mais longo do que as aventuras anteriores. Matthieu mudou-se para Portugal este ano porque queria "ficar mais perto de casa e num sítio onde pudesse investir para os próximos dez anos”. Encontrou-o na Serra da Arrábida, em Setúbal, depois de uma viagem de quatro meses pelo país, a bordo de uma carrinha onde coube a família toda — a mesma que trouxeram até Aveiro, ao National Geographic Exodus Fest, o evento que serviu de mote ao encontro do P3 com o fotógrafo (e, já agora, com o "artivista" Von Wong).

Montar uma base no Sul de Portugal não é o mesmo que dizer que Matthieu Paley vai estar sempre por cá. A lista de futuros trabalhos (e viagens) vai debruçar-se sobre poluição, um tema que não está “muito entusiasmado por fotografar”, mas que reconhece ser “algo que todos os fotógrafos deveriam passar algum tempo a fazer nestes dias”. Por outro lado, os temas que realmente o empolgam não aparecem como ele “sentado em frente ao computador, a pesquisar”. “Tu estás lá e alguma coisa acontece. Percebes que podes perseguir aquilo e o que acontece a seguir torna-se a tua obsessão."

Foi assim que completou, por exemplo, uma série fotográfica sobre a evolução da dieta humana, para a National Geographic. Uma viagem pela "comida ancestral" que o levou a conhecer comunidades na Malásia, Paquistão, Tajiquistão, Afeganistão, Gronelândia, Bolívia, Tanzânia, Grécia. Se, quando começou, achou este e outros trabalhos possíveis? "Nunca esperei fazer o que faço. Só me certifiquei que, de vez em quando, me voltava a focar nos meus objectivos. E essa é a parte mais difícil do trabalho. Entenderes-te a ti mesmo e descobrires o que realmente queres fazer."