West Coast of Europe Bem-vindos à Califórnia... com caché

A agência BBDO concebeu uma campanha para dar ao mundo uma nova imagem de Portugal. Na base está a ideia de que pertencermos ao Sul nos prejudica. Por isso, passamos a ser a West Coast of Europe. E libertarmo-nos do estigma de sermos todos "porteiras e bimbos". As opiniões dividem-se

a Estamos fartos de que os outros nos vejam como "porteiros e mulheres-a-dias em França, criados na Suíça, bimbos em Inglaterra, pedreiros na Alemanha e padeiros no Brasil". Assim não vamos lá. Temos cantores, artistas plásticos, cientistas, energia eólica, um visual moderno. Este é o ponto de partida da campanha lançada pelo Ministério da Economia e Inovação para a nova imagem de Portugal - polémica (se não o fosse nem valeria a pena), agrada a uns, enquanto outros não hesitam em considerá-la um "disparate".A ideia é reposicionar o país como a Costa Ocidental da Europa, e renovar-lhe a imagem através das fotografias de oito portugueses que se destacam em diferentes áreas - Cristiano Ronaldo, José Mourinho, Nelson Évora, Vanessa Fernandes, Mariza, Miguel Câncio Martins, Maria do Carmo Fonseca e Joana Vasconcelos - feitas pelo fotógrafo britânico Nick Knight (que tem honras de aparecer em grande no cartaz, na frase Portraits of Europe"s West Coast by Nick Knight). Dois outros cartazes mostram paisagens ligadas ao aproveitamento das energias renováveis.
As fotografias, em tamanho gigante, enchem as ruas de Lisboa e do Porto - 11.500 metros quadrados de tela e 1745 mupies nas duas cidades. E vão aparecer em ções internacionais como a Economist, Conde Nast Traveller, Time, Newsweek, Vogue, Stern, Le Monde2, Le Fígaro Magazine, El País e El Mundo.
Irá a campanha - com um custo de três milhões de euros - fazer o mundo olhar para Portugal como um país moderno, inovador, em que as porteiras e os padeiros foram substituídos por cientistas e artistas plásticos (além, claro, dos futebolistas)? Irá a nossa auto-estima aumentar com estes exemplos de portugueses de sucesso? Revemo-nos nesta imagem? Serve tudo isto para alguma coisa?
"É tudo um disparate. Reposicionar um país é uma coisa que não se faz. É brincar aos países como se brinca às empresas. Um país não é um produto. Os operadores turísticos vão passar a dizer Allgarve e a vender a Costa Oeste da Europa?", diz Carlos Coelho, especialista em criação e gestão de marcas, presidente da Ivity Brand Corp, e responsável, por exemplo, pela renovação da imagem da TAP. "Acho muito bem que se utilizem outras imagens, além das mais estafadas: o sol, o turismo, o futebol. Temos que sair da imagem velhota de que temos um excelente clima e recebemos bem", acredita Carmo Leal, especialista em branding e marketing cultural do ISCTE.
Made in Portugal é mau?
A descrição da péssima imagem que os portugueses têm no mundo reproduzida no início deste texto faz parte da apresentação da estratégia da campanha pela agência que a concebeu, a BBDO. E continua: "Portugal é visto como um país do Sul. Um país de Sol e Mar, mas também de subdesenvolvimento, iliteracia, corrupção e dos recorrentes indicadores estatísticos de miséria. O Sul é o filtro que nos condena a sermos vistos como somos." Daí a proposta de mudança radical - não uma mudança geográfica (o que, reconheçamos, seria difícil), mas de perspectiva, ou seja, do ponto de vista de onde olhamos para nós. Somos - e objectivamente isso é verdade - a Costa Oeste da Europa.
Sim, confirma Jorge Gaspar, especialista em Geografia Humana. "Isto não corresponde a nenhuma mudança, somos da costa ocidental, como qualquer país da Europa que tenha o Atlântico".
Assente este ponto, passamos para o seguinte. West Coast lembra, segundo a estratégia da BBDO, o sol, a praia, o surf, a qualidade de vida, Hollywood, criatividade, entretenimento, Los Angeles, Napa Valley, São Francisco, Las Vegas, Silicon Valley e tecnologia, sociedade aberta, multicultural, estilos de vida alternativos.
A agência argumenta que mesmo as boas marcas "sofrem com o made in Portugal não por causa do "made in", mas por causa do "Portugal" que lhes tira o valor". E propõe: "Se as boas marcas portuguesas levassem consigo a ideia de que vêm da Europe"s West Coast só tínhamos a ganhar. Nós e eles. Talvez uma liga de West Coast Companies onde as melhores teriam um selo de Best of the West. Seriam uma belíssima força de vendas."
Jorge Gaspar acha que esta visão geográfica qualitativa do mundo está a mudar. "É verdade que o Oeste ainda tem um sentido mais positivo do que o Leste. Mas na Europa já não há essa oposição entre o Norte e o Sul como houve em tempos. A Europa está a homogeneizar-se."
Quanto à tentativa de aproximação à ideia de Califórnia, Jorge Gaspar lembra que esta é uma ideia antiga, e que já houve outras tentativas de vender o Algarve ou a península de Setúbal, por exemplo, como "o nosso Silicon Valley". Claro que "não deu nada, porque essas coisas não pegam assim". Associar o sol à criatividade "é algo que está ultrapassado na própria retórica do marketing", diz, mas há cidades que têm ganho muito por se ligarem à ideia de um espírito multicultural e alternativo.
Por outro lado, acrescenta o texto da BBDO, a frase inclui a palavra "Europa", e essa remete para "História e tradição, autenticidade, classe, caché, segurança e proximidade".
No entanto, com Sul ou sem ele, parece (quase) consensual que a nossa imagem no mundo continua a ser negativa. "Essa [das porteiras e dos bimbos] é a imagem que o século XX transmitiu dos portugueses", concorda o historiador Miguel Real, que acaba de lançar o livro A Morte de Portugal, precisamente sobre essa relação dos portugueses com a sua identidade. "Mas ser futebolista é um pouco a continuação de ser porteira, como ser cantor internacional é a continuação de ser padeiro."
São "estereótipos muito antigos [sobre o Norte e o Sul], que até ao século XX tiveram um carácter muito racial", explica José Manuel Sobral, historiador e antropólogo e estudioso das representações da identidade nacional no Instituto de Ciências Sociais. "A norma correcta neste momento impede as pessoas de serem abertamente racistas. Mas essas representações continuam a existir no senso comum, e chegam até aos meios académicos."
Só João Leal, antropólogo e também especialista em questões de identidade nacional, discorda desta visão. "O ponto de partida parece-me discutível. Das pesquisas que fiz nos EUA entre os imigrantes concluí que os portugueses são associados a um povo trabalhador e à boa comida e bom vinho." Pedro Bidarra, vice-presidente da BBDO e grande responsável pela ideia da campanha, reconhece que tem havido alguma evolução "mas muito devagar, devagar demais". E não se pode perder mais tempo. "Portugal tem um problema de imagem, e num mundo onde mais de 250 nações competem por atenção, investimento, talento, reputação, turistas e poder, resolver esse problema é um imperativo económico", explica num texto de apresentação da sua ideia.
João Leal considera que "a ideia de diferenciar não é inovadora, porque todos os discursos de identidade nacional reclamam diferentes especificidades, reais ou imaginárias". O que nesta campanha é "singular" é a "escolha dos traços" de identidade.
E chega-se à questão das figuras escolhidas. Pedro Bidarra explica que a decisão de usar rostos de figuras conhecidas, em vez de outros símbolos nacionais, foi do Ministro da Economia, tal como o destaque ao "nosso papel de liderança nas energias alternativas".
Trata-se, na expressão de João Leal, de "colar Portugal à ideia dos "novos heróis nacionais" que são supostos simbolizar o que há de melhor e de único no país". E, segundo o antropólogo, se tivermos em conta o que os portugueses dizem sobre a sua identidade, não parecem escolhas erradas. "Uma das coisas em que têm mais orgulho é no desporto, na literatura e na arte, em contraste com valores baixíssimos em relação ao sistema de segurança social, por exemplo."
História desapareceu
"Não me sinto representado por uma cantora ou um futebolista, mas pela cultura que Portugal produziu ao longo de 800 anos", contrapõe Miguel Real. A imagem de um país, defende o historiador, "só se muda através da cultura, se mostrarmos que temos a mesma qualidade que outros, mas somos diferentes".
Tanto João Leal como Miguel Real vêem na campanha West Coast um corte com a História. "Temas como a História, a diversidade de paisagens, a tradição/modernidade, muito forte durante a Expo 98, têm sido recorrentes na promoção de Portugal lá fora, mas não aparecem aqui", sublinha o antropólogo. "Percebo a necessidade de dar uma imagem moderna de Portugal", diz, por seu lado, Miguel Real. "Mas um país só pode ser moderno se se afirmar pela sua História, pelo seu passado". A campanha reflecte, na sua opinião, "a nova classe média portuguesa, totalmente europeia e que pretende esquecer o passado". Mas, lembra Miguel Real, "fomos nós que mandámos as porteiras para lá, não podemos apagar isso".
José Manuel Sobral diz o mesmo: "Normalmente, as representações que se fazem da nacionalidade têm a ver com a História - aqui não encontramos nenhuma figura histórica nem referência à História. E na hierarquia dos valores de uma nação nenhum futebolista se sobrepõe a um intelectual."
Carlos Coelho defende precisamente que "inovar não é deitar fora o passado, não é isso que interessa aos turistas". Quando vamos à Índia queremos saber a História e a cultura. "Temos algum interesse em conhecer o desenvolvimento tecnológico de Bangalore?" O problema é que estamos demasiado habituados aos nossos símbolos nacionais. "Estamos fartos da Torre de Belém e achamos que os nossos pastéis de nata são coisas normais, por isso não os divulgamos, arranjamos outros novos."
Miguel Real sentir-se-ia mais representando por outras figuras da cultura portuguesa - e fala no padre António Vieira, Fernando Pessoa, Eça de Queirós ou, se quisermos contemporâneos, pelo menos José Saramago, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís ou Paula Rego ("todos os países europeus têm uma Joana Vasconcelos ou um Câncio Martins, o que tem que ser apresentado é a especificidade de uma cultura de 800 anos", diz). "Acho espantoso que se tenham esquecido do Saramago e do Lobo Antunes", concorda José Manuel Sobral.
Carlos Coelho sentir-se-ia mais identificado com outra imagem gráfica. "Plasticamente os cartazes não exprimem a realidade do país. Esta campanha parece feita para a Finlândia. Tem uma raiz fria e nós não somos um povo frio. Somos quentes. E faz-me impressão que se veja a nossa identidade como um defeito." E lança uma provocação: "A nossa farinheira é mais importante para a nossa cultura e economia do que a energia eólica."
Carmo Leal tem uma perspectiva oposta sobre o grafismo. "São imagens mais sugeridas, uma abordagem que não é básica." E há também a questão do fotógrafo. Ninguém contesta a qualidade do trabalho de Nick Knight, mas muitos perguntam por que não foi escolhido um fotógrafo português. Carlos Coelho ironiza: "Isto reflecte a nossa subserviência. Conheço poucos países que teriam numa campanha Retratos do País por Nick Knight." Pedro Bidarra justifica a opção: "O Nick Knight foi instrumental. Tratava-se de ter um olhar de fora."
E, por fim, a grande questão. Para que serve tudo isto? Trata-se de uma "excelente ideia de bom marketing", escreveu no PÚBLICO o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice. E, na sua opinião, de um exemplo para todos nós: "Olhemos para os casos de sucesso e digamos: "Quero ser como eles, posso ser como eles". E não continuemos a dizer "O que fizeram aqueles malandros para merecer isto?"."
Para sentir os resultados é preciso tempo, argumenta Bidarra. "Esta estratégia tem efeitos práticos com uma implementação continuada e coerente ao longo do tempo. Uma espécie de "água mole em pedra dura"."
"É um rebranding de Portugal", explica Carmo Leal. "É uma campanha para potenciais clientes, turistas. Mas num primeiro momento é também para um público interno. Também temos que mudar a nossa ideia de nós próprios. Rejuvenescer. Mas isto não acontece de um dia para o outro. Talvez os nossos filhos venham a ter uma imagem diferente de Portugal."
Mudamos a bandeira?
A campanha elaborada pela BBDO para mudar a imagem de Portugal pretendia ir bastante além da fase dos cartazes que estão agora nas ruas: Pedro Bidarra e a sua equipa propunham um "evento mundial, uma "bomba atómica" que comunique a mudança". E essa "bomba atómica" era a alteração da bandeira de Portugal.
Porquê? "Já devia ter mudado. A bandeira não é sagrada e tem ao longo da história mudado com o país", explica o texto de apresentação, que apresenta em seguida uma série de exemplos de mudanças começando no tempo do conde D. Henrique, até D. Pedro IV. Outra razão para a mudança: "As cores são as mesmas da maior parte das bandeiras africanas. Cores que nos empurram ainda mais para Sul."
A alteração teria também a vantagem, segundo a agência, de obrigar o mundo a falar em Portugal (para já, pelo menos o New York Times já falou na mudança de imagem) - "nas CNN"s, BBC"s e demais networks de TV que para além de mudar têm que noticiar e explicar". A ideia seria acabar com o verde e o vermelho, e fazer um fundo azul uniforme sobre o qual surgiria então a esfera armilar com o escudo de Portugal.
Para já essa proposta não vai avançar. É o próprio Pedro Bidarra quem o diz ao P2: "Tem havido as mais variadas reacções, mas surpreendentemente tenho centenas de emails de apoio à ideia. Era um grande evento mundial e uma original manifestação de identidade. Mas isso é outra história, que ficará para outras núpcias".
"By Nick Knight"
É, indiscutivelmente, um dos protagonistas da campanha mesmo que não dê a cara - os oito portugueses escolhidos dão a cara, ele dá a assinatura. Os retratos da Europe"s West Coast são "by Nick Knight", fotógrafo britânico, director do SHOWstudio.com e conhecido sobretudo pelo seu trabalho em fotografia de moda. Tem trabalhado com nomes como Christian Dior, Calvin Klein, Alexander McQueen, Lancôme. Fez imagens para capas de álbuns de, entre outros, Björk, Boy George, David Bowie, Kylie Minogue e Massive Attack, e publicou em revistas como a Vogue, Dazed & Confused, i-D e The Face. No seu site, o Victoria & Albert Museum - museu onde já mostrou o seu trabalho - descreve Nick Knight como "um dos mais inovadores e influentes fotógrafos e criadores de imagem britânicos", e alguém que "alargou as fronteiras da fotografia comercial e editorial e colaborou com nomes importantes da arte contemporânea, design, música e moda".
A primeira vez que Pedro Bidarra apresentou publicamente a sua ideia para reposicionar Portugal como a West Coast of Europa foi em 2003, num artigo no PÚBLICO, onde defendia que "temos que sair do Sul" e lembrava que, afinal, esta é a "ocidental praia lusitana".
No artigo, Bidarra criticava campanhas anteriores para criar uma imagem para o país, como a que propunha "Take a break from the rest of the world" e que, na opinião do publicitário, "diz também que Portugal é um país à margem, longe dos grandes acontecimentos [...] o que, sendo bom para os tais dias de descanso, não é para a ideia com que se fica de Portugal".
Houve, desde 1992, várias campanhas para criar uma imagem do país no mundo, recordadas recentemente pelo Jornal de Negócios a partir do livro Vende-se Portugal de Henrique Agostinho. Tudo começou em 1992, quando o artista plástico José de Guimarães criou o símbolo para o turismo nacional - uma figura vermelha, verde e amarela, com os braços no ar e sobre uma onda (houve quem o baptizasse como "o afogadinho").
Em 2003, para antecipar o Euro 2004, apostou-se na ideia "The extra time is the best part of the game",e no ano seguinte avançou-se para o conceito "Go deeper"/"Live Deeper". Nessa altura, já Bidarra andava a defender a sua ideia, e aparece, associada a essa campanha, a frase "Think West", o que levou a BBDO a acusar o ICEP de lhe estar a "roubar" a ideia, depois de anteriormente ter optado por não comprar a proposta à agência.
O ano de 2007 (ainda antes da West Coast of Europe) ficou marcado por outra campanha polémica: a Allgarve, destinada a renovar a imagem do Algarve com destino turístico. O ministro da Ecomonia, Manuel Pinho, já anunciou que esta é uma campanha para continuar e que haverá Allgarve 2008.

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